Ano 9 - Nº 9 - 1/2015

FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS: ARQUIVO DA HISTÓRIA E DA PAIXÃO NO ENSINO SUPERIOR

RESUMO: Ser velho, na sociedade contemporânea – em que a opressão da velhice se realiza de múltiplas maneiras, “algumas explicitamente brutais, outras tacitamente permitidas”, significa, nas palavras da pesquisadora Ecléa Bosi, “lutar para continuar sendo homem” (BOSI, 1994, p. 18). Este artigo – produto parcial da pesquisa que trabalha com memoriais de professores aposentados do Departamento de Comunicação e Letras da Universidade Estadual de Montes Claros – pretende ser um instrumento de resistência à destruição dos suportes materiais da memória, na medida em que estes se configuram como estratégias de desbloqueio dos caminhos da lembrança e da recuperação de histórias pessoais e coletivas que, de outra forma, se perderiam.

PALAVRAS-CHAVE:Professores aposentados; Magistério superior; Memorial descritivo; Memória.

I. Introdução

A importância de se estudar a memória sustenta-se no fato de que trabalhar com reminiscências, envolvendo as suas mais diversas espécies, implica recriar o passado. Nesse sentido, as lembranças dos velhos – verdadeiros guardiões da memória de um povo –   passam a ser objeto de evocação das vivências individuais e/ou coletivas. A elaboração de memoriais descritivos significa, portanto, um movimento de reconstrução da própria existência.

II. Revisão de literatura

A memória é conceituada como uma função conservadora da atividade mental que torna a vida psíquica contínua. Não há uma só memória, mas, sim, várias espécies, conforme as demais funções psíquicas envolvidas no processo de conservação das lembranças, compreendendo um conjunto de funções do psiquismo que permitem a continuidade da vida, pois não somente conservam a experiência passada, como a atualizam na ação presente. “A memória é, pois, a função de conservação por excelência, embora esteja provado, experimentalmente, que as lembranças nunca possuem a fidelidade da percepção original.”[1]

Para Costa Lima[2], memórias e autobiografias são substitutos dos espelhos que, metálicos e implacáveis, “assinalam o desgaste dos traços, o torpor dos olhos, a redondez do ventre”. Conforme Lima, o exercício autobiográfico, por exemplo, configuraria a necessidade de se rever no que foi, como se o percurso da antiga paisagem lhe capacitasse a se explicar ante a si mesmo, ou a pretensão de recordar a inteireza de seus atos e seus dias, para que o leitor seja o seu juiz, ou ainda, o propósito de não transmitir lição alguma, mas apenas fixar na horizontalidade das linhas o que se perdeu na distância do passado, cuja matéria é a própria vida.

Marilena Chauí, na apresentação do livro de Ecléa Bosi, Memória e sociedade: lembranças dos velhos (1994), afirma:

A função social do velho é lembrar e aconselhar – memini, moneo – unir o começo e o fim, ligando o que foi e o porvir. Mas a sociedade capitalista impede a lembrança, usa o braço servil do velho e recusa seus conselhos. Sociedade que, diria Espinoza, “não merece o nome de Cidade, mas o de servidão, solidão e barbárie”, a sociedade capitalista desarma o velho mobilizando mecanismos pelos quais oprime a velhice, destrói os apoios da memória e substitui a lembrança pela história oficial celebrativa.[3]

Dessa forma, os velhos ganham, teoricamente, o seu lugar de excelência na história, devido ao poderio de portar e repassar os costumes, o conhecimento popular e a história de um povo, ação que, por sua vez, mantém viva a tradição.

Entretanto, o idoso da sociedade capitalista, dilacerada pela luta de classes e centrada na produtividade, é esquecido. Não há o reconhecimento por parte dessa sociedade sobre a importância do velho na conservação da memória. Ser velho em uma sociedade assim – em que a opressão da velhice se realiza de múltiplas maneiras, “algumas explicitamente brutais, outras tacitamente permitidas”, é ser marginalizado e oprimido. Lutar pela valorização do velho implica, portanto, lutar para que esse passe a ser homem[4].

Como estratégia de desbloqueio das lembranças e recuperação de vivências pessoais e coletivas que, de outra forma, se perderiam, a elaboração de memoriais descritivos seria, pois, a construção de instrumento textual de reproduçãodos acontecimentos, sendo realizado pela memória. Na opinião de Moraes[5] (1992), trata-se de uma dificil tarefa, pois memorial é um retrato crítico do indivíduo visto por múltiplas facetas através dos tempos, o qual possibilita inferências de suas capacidades. Conforme Boaventura, “memorial é não somente crítico, como autocrítico [...]. Crítica que conduz forçosamente à avaliação dos resultados obtidos na trajetória da carreira científica”[6] (1995).

Assim, a rememoração do passado através do texto ficcional-memorialístico faz-se necessária, tendo em vista a tentativa de se resgatar as convicções ideológicas, as referências pessoais e sociais, a fim de sabermos como foi a formação desse sujeito, enquanto ser que atuou e modificou a sociedade de seu tempo, e, num presente momento, através da rememoração, compartilha suas experiências, tanto boas quanto ruins, o que, de certa forma, ajudará a outros que desejarem trilhar caminhos semelhantes .

Na obra A identidade cultural na pós-modernidade (2003), de Stuart Hall, o autor discute sobre a condição do homem e sua identidade em uma sociedade pós-moderna. Segundo Hall, as velhas identidades, que estabilizaram o mundo social, estão entrando em crise. Ele ainda ressalta, em sua obra, que a globalização provoca desvios e contradições nas identidades culturais e que, embora alimentada pelo Ocidente, contribui, de forma paulatina, para o “descentramento” desse lado do mundo global.

A contribuição trazida por Stuart Hall é relevante para refletirmos sobre o impacto da globalização na formação das identidades culturais. O conceito de descentramento, apresentado pelo autor, é importante para a compreensão do surgimento dos movimentos sociais, sobretudo para que se reconheça a identidade da pós-modernidade, resultante de culturas híbridas.

A leitura da obra A memória, a história, o esquecimento (2007), dePaul Ricoeur, texto seminal para o estudo da memória, apresenta essa categoria como competência de se poder remeter ao passado através de informações que estão armazenadas na mente humana. A análise da temática memorial de Paul Ricoeur sustenta-se em pensadores da filosofia como Platão, Aristóteles, perpassando também por teóricos como Hussel e Bérgson. Para o autor, a memória pode ser vista como ferramenta para arquivar dados mnemônicos, como pode, também, ressignificar as coisas; trata-se de um processo possibilitado pela rememoração. No ato de rememorar, encontramos implicitamente a ideia de se memorizar primeiro, que se torna um ato penoso para quem utiliza essa estratégia, entretanto, ela é de fundamental importância para que as experiências vividas não caiam no esquecimento.

No livro Memória e identidade: travessia de velhos professores (Maringá: EDUEM, 1998), Nerli Nonato – baseando-se no livro Memória e sociedade: lembranças de velhos (de Ecléa Bosi) – expõe a construção do modo de fazer e de pensar do professor primário das escolas públicas – experiência de pesquisa que parece convergir, em diversos aspectos, para os objetivos do projeto “Fragmentos de memórias: arquivo da história e da paixão no Ensino Superior”, do qual este artigo é produto. Nonato apresenta uma pesquisa em que a intenção não teria sido universalizar uma identidade para o professor, mas trabalhar com memórias de indivíduos representativos, para entender o desvelamento das relações existentes entre sujeitos que melhor concretizem o universal.  Coletando relatos, ouvindo experiências, a autora traçou um relativo perfil do professor que exerce o magistério nas séries iniciais.

Devido às transformações sociais e políticas do momento em que se inserem as experiências dos sujeitos investigados, não se pode afirmar que outros professores, de outro tempo e espaço, tenham a mesma identidade. Contudo, alguns casos se parecem ou se assemelham – como o que se identifica na pesquisa presente. A memória, de natureza fragmentada, poderia suscitar dúvidas sobre eventuais modificações dos docentes acerca dos acontecimentos passados.  Todavia, a narrativa traz a ideia de que são vivas as lembranças do trabalho desses velhos professores.

Outro aspecto que a autora discute – já identificado, também, nas entrevistas realizadas com os professores que participam do projeto “Fragmentos de memórias: arquivo da história e da paixão no Ensino Superior” – relaciona-se à questão da nostalgia e da nuance emocional. A primeira proporcionaria um aflorar de ideias e lembranças que, de outra forma, poderiam ser desfiguradas pela emoção. A segunda é reveladora dos valores e sonhos não realizados e desvelaria a ideologia do narrador.

A metodologia utilizada por Nerli Mori é a técnica da história de vida e do depoimento. A história de vida, segundo Maria Isaura P. Queiroz (apud Nerli Nonato), constitui-se de um relato de existência do narrador, que ele tenta reconstruir por meio da narrativa. Desse relato, podemos captar a relação do aspecto social com o individual do sujeito. Mori ressalta que “a narração é feita de avanços e recuos e que o pesquisador não interfere tentando estabelecer cronologias, visto saber que as variações no tempo são indícios de algo que permitirá a formulação de inferências” (p.20, 1998). A autora afirma, ainda, que a memória é um recurso para a apresentação da identidade, e ela é construída nas relações do indivíduo com a natureza e o social. A autora afirma que memórias são representações e que as lembranças são o produto traduzido em forma de linguagem dessas representações.

Ressalte-se que, ainda segundo Mori, o sentido de construção e reconstrução da identidade dos professores aposentados que participaram de sua pesquisa deu-se através do memorialismo – estratégia na qual as lembranças, traduzidas em linguagem narrativa, fizeram um movimento pendular entre passado e presente. Nesse processo memorialístico, o produto (identidade) é reconstruído e transformado, repensando o contexto histórico-social onde se desenvolveram suas relações como professores.

Conforme Walter Benjamin, citado por Nerli Mori, o que os professores aposentados têm a oferecer, com as narrativas de suas vivências, são sabedorias. Isso implica dizer também que a história da escola de ontem, refletida na experiência docente de velhos professores, ajudou-nos a construir um pouco do que somos hoje como professores.

A obra de Nerli Mori apresenta-se, no caso da pesquisa que desenvolvemos, mais que uma fonte de informação: é um caderno de experiências de velhos professores que precisa ser lido por acadêmicos e professores de todos os cursos de licenciatura. A autora, com este trabalho, trouxe-nos um texto rico em memórias e identidades, que, apesar de ser fruto de estudo de uma região específica do nosso país, muito tem a contribuir e ensinar aqueles que optaram um dia pela escolha de ser professor. Dessa forma, podemos aprender com a perseverança da travessia de velhos professores.  

III. Material e métodos

Trata-se de uma pesquisa de cunho teórico, bibliográfico. Estão sendo realizadas, também, entrevistas semi-estruturadas. O projeto obteve “Parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Unimontes: Processo 2049, de 18 de junho de 2010.” [7] Para o seu desenvolvimento, foi solicitado à DDRH/Unimontes o levantamento do número de professores aposentados do Departamento de Comunicação e Letras da Unimontes até agosto de 2010. A partir desse levantamento, contatamos os professores. Aos que aceitaram participar deste projeto solicitamos a elaboração de um memorial descritivo, que deverá conter entre três e cinco páginas digitadas, cujo teor constitui-se das memórias de docência e de vida de cada entrevistado. Como resultado desta pesquisa, em interface com a extensão, os memoriais serão reunidos em um único livro, que deverá ser lançado no segundo semestre do ano do cinquentenário da Unimontes.

VI. Resultados e discussão

Para a realização da presente pesquisa, treze professores já foram contatados, dos quais a maioria confirmou a participação no projeto através da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. 

Nesse processo de reflexão acerca da memória, temos nos apoiado nos textos teóricos fundamentais para esse fim, entre os quais se encontra a obra Memória e identidade: travessia de velhos e professores, de Nerli Nonato. Nesta obra – resultado de uma pesquisa inspirada no livro Memória e sociedade: lembranças de velhos, de Ecléa Bosi – a autora apresenta a construção do modo de fazer e de pensar do professor primário das escolas públicas – mas, conforme demonstramos, seus suportes teóricos também se adéquam à pesquisa que ora realizamos.

Ainda como parte integrante do nosso arcabouço teórico, citamos a obra Memória e Sociedade: lembranças de velhos, da Ecléa Bosi, que faz um estudo sobre memórias de velhos. Dentro do tema escolhido, Bosi discute que a memória desses sujeitos, especificamente, já é bem mais definida que a do jovem. Para a autora, os velhos teriam uma história social bem desenvolvida, com momentos bem definidos, uma referência familiar e cultural já delineada, enquanto os jovens ainda estão envolvidos nos conflitos do presente. Nesse contexto, surgiria a indagação: será a memória do velho uma evocação onírica, pura do passado ou uma refacção deste?

Halbwachs opõe o sentido da evocação do velho frente à do adulto. O adulto envolvido na dinâmica dos afazeres do presente não volta à infância, buscando imagens relacionadas à vida cotidiana; no momento da evocação, haveria o relaxamento da alma. Assim, o teórico afirma que o adulto não se preocupa com o passado, mas quando o faz é em forma de sonho.

Outra evocação seria a do velho, sujeito que já viveu a vida. Ao recordar o passado, ele não o recorda no momento do relaxamento, do sonho, mas ocupa sua mente conscientemente e atentamente na rememoração. Assim, lembrar o passado deixa de ser fuga, contemplação e passa a ser a sua ocupação.

Na linha de pensamento delineada por Halbwachs, sublinhamos a coerência da conclusão do autor quando afirma que a atividade mnêmica é função social, exercida pelo indivíduo que rememora. Assim, quando o velho deixa de ser um membro ativo, resta-lhe, dentro do grupo social, a função de recordar. Nessa perspectiva, também nos servem de reflexão os apontamentos de Ecléa Bosi, quando lembra que nem toda sociedade lança mão dessa responsabilidade sobre os velhos. O que a autora reafirma é que o homem ativo não se dedica muito à atividade de lembrar; já o velho, afastado da correria cotidiana, volta-se mais frequentemente à refacção do passado. Corroborando o que diz Halbwachs, Bosi conclui que é delicado esse trabalho de reconstrução do passado, justificando que pode haver um processo de ‘desfiguração’ do passado, tendo em vista que esse sujeito sofre influências ideológicas do presente. Dessa forma, a ‘pressão dos preconceitos’ e ‘preferências das sociedades dos velhos’ podem ser camufladas por valores e padrões vigentes em uma sociedade que, por sua vez, é capaz de modelar a sua história de vida grupal e individual.

Bosi ressalta, ainda, que o objetivo da obra foi registrar a voz e, por meio dela, a vida e a forma de pensar das pessoas que trabalharam por seus contemporâneos e pela sociedade brasileira como um todo. Para ela, o registro das narrativas traz uma memória pessoal, o que implica também uma memória social, familiar e grupal.

As reflexões teóricas, ora superpostas, têm servido às pesquisadoras não apenas como suporte de questionamentos acerca das experiências dos mestres de outrora, mas suscitado debates enriquecedores sobre a memória e a função social dos velhos na sociedade contemporânea.

É importante ressaltar que a temática da memória, nesse projeto, é trabalhada por diversas áreas do conhecimento - psicologia, história, sociologia – o que revelaria a sua legitimidade para as pesquisas no âmbito acadêmico.

V. Conclusão

Entendemos a memória como um instrumento fundamental à construção da sociedade e da identidade de um povo. A memória configura-se, principalmente, como uma ferramenta de resistência à destruição das experiências e histórias individuais e coletivas vividas no passado.

Por meio da narrativa do memorial dos professores, que está em andamento, estamos reconstruindo passagens fundamentais de uma vivência e de uma experiência que nos têm revelado muito acerca da nossa própria prática educacional. Pelo viés memorialístico, professores aposentados terão a oportunidade de reconstruir o passado e (re) significá-lo, conforme as suas convicções ideológicas, as referências sociais e pessoais que tiveram no tempo em que estavam em exercício docente, deixando-nos um legado valioso.  O projeto, ainda em desenvolvimento, tem-se apresentado como oportunidade ímpar de reconstrução de saberes e como mecanismo de renovação do passado, por meio do qual refazemos nossos percursos e recuperamos uma identidade, mais do que nunca necessária, para fortalecer o papel do educador na sociedade.

VI. Referências

  • BENJAMIN, Walter. “O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”. In: Obras Escolhidas: magia e técnica, arte e política. 7. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.
  • BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  • BONOW, Iva Waisberg. Elementos de Psicologia. 15. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1976.
  • COSTA LIMA, Luís. Sociedade e Discurso Ficcional. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
  • GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narração em Walter Benjamim. São Paulo: Perspectiva, 1994.
  • HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomáz Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP &A, 2003.
  • MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1983.
  • MORI, Nerli Nonato Ribeiro. Memória e identidade: travessia de velhos professores. Maringá: EDUEM, 1998.
  • PASQUALOTTI, Adriano. Memorial descritivo.  Disponível em: <http://usuarios.upf.br/~pasqualotti/memorial.htm> Acesso em: 28 de abril de 2010.
  • PAZ, Octavio. “A consagração do instante”. In: Signos em rotação. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.
  • RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução: Alain François. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.
  • SÁ, Jorge de. A Crônica.6. ed. São Paulo: Ática, 1999.
  • SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

Anexos: Fragmentos dos memoriais produzidos pelos professores aposentados

Anexo I

Memorial da Professora Neyde Pimenta

“O ensino superior teve um significado muito importante na minha vida: concorreu para o meu crescimento pessoal e profissional, deu-me a chance de viajar bastante, de conhecer novos mundos, novas pessoas, seja deslocando-me de fato, seja através do conhecimento adquirido nas aulas, nos livros e nas outras atividades de que participei, conforme citei atrás. E, como não poderia deixar de ser, aprendi muito com meus alunos.

         Acho que as duas principais mudanças no ensino superior dos dias atuais em relação à minha época são: Atualmente, aliás, já há um bom tempo, o número cada vez mais crescente de professores em pós-graduação Stricto Sensu. Temos hoje muitos Mestres, Doutores e Pós- Doutores. O que, na minha época, ou  não existia ou era muito raro. Esse fato concorreu para a especificidade da formação do professor, que, na minha época, era mais diversificada. Por outro lado, do que eu sei, nos dias atuais os alunos ficam circunscritos às atividades de sala de aula. Não tenho notícias da “efervescência cultural” da minha época, não ouço falar de Seminários, Encontros, Mesas Redondas, Cursos de Atualização, Palestras... Talvez eu esteja desinformada, mas, até algum tempo atrás, eu não tinha notícias desse tipo de evento na Unimontes. E não foi sem muita tristeza que vi o Francês ser retirado do currículo do Curso de Letras e, depois, do Vestibular.”

Anexo II

Memorial de Baltazar Pereira Pimenta

“Quanto a ter vínculos com a Universidade, não os tenho. Os professores aposentados não são valorizados. Acredito que projetos que ajudem a resgatar a memória desses professores, através de eventos, colaborariam para melhorar essa imagem de desvalorização que temos. Por restrições de ordem física, não exerço mais atividades na área em que trabalhei.”

Anexo III

Memorial de Zulma Lelis Lafetá

“Hoje sou aposentada, mas em constantes atividades. Realizo viagens culturais, participo do SIND-UTE e do SINDFISCO, sem contar os dias em que permaneço no meu sítio, descansando e cuidando das plantas e animais. Tenho muitos desejos para a Unimontes. Primeiro que continue crescendo e que seu crescimento contribua com a formação e com o desenvolvimento do Norte de Minas. Desejo também que algumas coisas avancem, como a democracia interna, o diálogo e a valorização dos professores. Sonho também em voltar para a Unimontes como aluna do Curso de História. Enfim, creio que me sentiria mais realizada se me aproximasse mais da sociedade, ex-alunos e ex-professores.”

Anexo IV

Memorial de Maria Eneide Dantas Santos

Em janeiro de 2008, sofri o segundo AVC Isquêmico e, com sequela, tive sérios comprometimentos: paralisia do lado esquerdo, perda parcial da voz, desequilíbrio, entre outros. Em princípio, recebi certa atenção dos colegas do departamento, mas a medida que o tempo passava, foram se afastando. Entendo que todos têm suas atividades laborativas, mas daí a se esquecerem dos profissionais que ajudaram a construir o desenvolvimento acadêmico dessa universidade tão conceituada... Por essa razão acredito que deveria haver um vínculo entre a universidade e os professores que encerraram suas atividades acadêmicas.

Anexo V

Memorial de Míriam Carvalho

“Este memorial tem como objetivo abrir as páginas de minha vida profissional numa visão retrospectiva e de contemplação na medida em que a própria escrita exigir da memória um sentido explícito dos acontecimentos acadêmicos e de experiência profissional pelos quais passei. [...]A minha atuação como professora sempre partiu do princípio da limitação temporal que nos persegue. A terrível passagem do tempo levava-me a inaugurar cada aula com o sentido da experiência da aula anterior. Por isso, queria sempre olhar mais a expressão da minha aprendizagem, duplicada sobre isso ou aquilo. Nunca desisti de um só aluno, e, por muitas vezes, me vi desolada pelos sinais de desolação do outro. Queria eternizar a arte de ensinar na lição breve das aulas de cinquenta minutos. A minha percepção se desdobrava no gesto intencional de quem deseja exercer o saber do dia-a-dia, não para cumprir uma obrigação , mas para perder os olhos e os ouvidos na melodia do aluno que vê e escuta a nossa palavra, às vezes tão frágil, como signo de perfeição interior. Se o ensinar foi o meu destino, que regulou o tempo brevíssimo da minha atuação como professora, o escutar não deixou de vislumbrar a face enganadora de quem ensina. O aluno sente na alma o direito augusto de saber as coisas que não são arquivadas em nossa cabeça, as coisas que trazem o cheiro e o gosto do pão matinal. As coisas que merecem um nome e fazem nascer o sentido novo de um texto, com sinais visíveis de uma nova decifração, uma palavra diferente, embora de  curta duração. Em tudo isso, há um lado sublime. É a hora generosa de perceber o rastro de nossa passagem. Ficou algo da magra palavra lançada como orvalho?”

Anexo VI

Memorial  de Yvone Silveira

“Formei-me em Letras aos cinquenta e dois anos de idade na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras- FAFIL, hoje Universidade Estadual de Montes Claros- Unimontes. Fiz pós-graduação em Teoria da Literatura pela Universidade Católica de Minas Gerais. Durante minha vida acadêmica participei de muitos eventos, inclusive congressos no Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Rio Grande do Sul e Belo Horizonte. [...] Quanto ao ofício do magistério, foi em mim uma realização pessoal, pois posso dizer que nasci para ser professora, uma vez que eu gostava de ensinar e tinha muito amor e dedicação com a minha profissão, inclusive trabalhei um ano sem recebimento e acho que cumpri o meu dever, pois sempre procurei obedecer aos princípios educacionais e religiosos. Nós, professores daquela época, tínhamos muita força de vontade e estudávamos muito para ensinar, entretanto éramos inexperientes. Quanto aos alunos, eram respeitosos e obedientes.”



[1]
BONOW, 1976, p. 84-91.

[2]COSTA LIMA, 1986, P. 244.

[3] BOSI, 1994, p. 18.

[4] BOSI, 1994, p. 18.

[5]ApudPASQUALOTTI, 2010.

[6] ApudPASQUALOTTI, 2010.

[7] Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unimontes n° 2049.