Ano 6 - Nº 6 - 1/2012

7. O Uso da Tecnologia no Ensino de Língua Estrangeira

Resumo
Este artigo busca situar o panorama atual do uso da tecnologia no ensino de língua estrangeira no Brasil. Com o objetivo de apresentar quais recursos tecnológicos o professor de língua estrangeira pode utilizar atualmente, apresenta um breve histórico do desenvolvimento das tecnologias e as possibilidades e dificuldades de seu uso para fins pedagógicos. Concluímos que a implementação de tecnologias nas aulas pode variar devido à falta de recursos da escola, obstáculos ao acesso destes recursos e também, falta de formação continuada de professores que proporcione um desenvolvimento de habilidades tecnológicas e reflexões sobre o uso das tecnologias durante as aulas.

Palavras-chave: Tecnologias, Língua Estrangeira, Professor.

ABSTRACT

This article aims at spotting the current panorama of the use of technology in foreign language teaching in Brazil. With the goal of presenting what technological resources the foreign language teacher can use nowadays, the article presents a brief history of the development of technology and the possibilities and difficulties of its use for educational purposes. It is concluded that the implementation of technology in the classroom can vary due to lack of resources at schools, obstacles to access these resources and also, lack of continuing education which would provide a development of technological skills and reflections on the use of technologies.

Keywords: Technologies, Foreign Language, Teaching.

Introdução

A tecnologia tem transformado a comunicação em todo o mundo. Do telefone à Internet, os mecanismos de disseminação de informação e de interação entre os indivíduos em diferentes lugares têm se tornado presentes na vida das pessoas. Dentre as outras invenções tecnológicas, se classificarmos o quadro-negro como tecnologia, assim como gravadores de áudio, laboratórios de línguas e vídeo (Dudeney & Hockly, 2007); o desenvolvimento da internet ganha destaque devido, entre outras razões, à velocidade, à acessibilidade e ao conforto oferecidos aos seus usuários.

As novas tecnologias estão cada vez mais presentes e mudaram a maneira de pensar da sociedade, além de terem mudado a forma como lidamos com a informação e com outros povos. Para Brydon (2011) as novas tecnologias asseguram que as vidas de muitas pessoas no mundo são hoje parcialmente moldadas por forças transmundiais. Nessa perspectiva, as diferentes línguas, formas de pensar, estilos de vida, diferentes comunidades, políticas, economias se destacam, por exemplo, ao navegarmos pela internet, sem necessariamente estar fisicamente em outras cidades, regiões ou países.

Essa constatação provoca mudanças no ensino de maneira geral e em especial, no ensino de línguas, pois a tecnologia é tida como uma ferramenta de várias possibilidades no que diz respeito à utilização de materiais autênticos, oportunidades de comunicação com aprendizes de outras partes do mundo, mobilidade de utilização (escolas, cybercafés, casa, escritório), práticas de habilidades de leitura, escrita, fala e compreensão auditiva, além de proporcionar informações atualizadas a todo momento.

Apesar de todas estas oportunidades, a utilização de recursos tecnológicos pode sofrer uma rejeição inicial por parte dos professores e de outros agentes envolvidos no processo educacional. De acordo com Dudeney & Hockly (2007), os contextos nos quais os professores utilizam a tecnologia podem variar amplamente. Assim, o acesso a computadores, o medo de novas tecnologias e a falta de conhecimento, confiança ou formação sobre o uso de recursos tecnológicos afetam a implementação da tecnologia. 

Por outro lado, esses recursos também vêmconquistando adeptos, que buscam a renovação de seus processos de ensino-aprendizagem; a utilização de materiais autênticos e atualizados e o acesso adiferentes pontos de vista no desenvolvimento de uma perspectiva mais crítica e conectada com a sociedade atual no ensino de línguas estrangeiras. Para Monte Mór (2008), nesta sociedade digitalizada, as narrativas pessoais e seus conceitos de felicidade são construídos de formas múltiplas, devido às diversas alternativas que esta sociedade tecnologizada proporciona. Para esta autora, numa perspectiva crítica, as narrativas de felicidade construídas pelas pessoas tanto podem se basear na posse de /ou acesso a um objeto tecnológico que as faz sentir incluídas na sociedade, quanto nas possibilidades de reconstruir conhecimentos, desenvolver agência e crítica no ato da navegação. Conscientes das características desta sociedade, percebemos a importância que a tecnologia tem para o ensino de idiomas, e de outras disciplinas com recursos que complementam as diversas  propostas de ensino.

A Tecnologia no Ensino de Língua Estrangeira (LE)

A tecnologia se faz presente na vida do ser humano desde 1442 com a invenção da imprensa por Gutemberg, considerada o primeiro grande marco tecnológico da história. Antes disso, ainda no século I a.C., vislumbrava-se a criação do livro através do códex, que se aproximava ao livro de hoje, com escrita horizontal e páginas que eram viradas.

Com a descoberta da escrita e da impressa, os livros tornaram-se rapidamente objeto de consumo, apesar de sua socializaçao não ter sido muito tranquila.  Em termos de ensino de línguas, as gramáticas foram os primeiros livros a serem utilizados. Segundo Paiva (2012), a primeira grande notícia que se tem do uso do livro pelo aprendiz tem data de 1578, através de uma gramática do hebraico, que permitia o auto-estudo, publicada pelo Cardeal Bellarmine. Naquela época para se aprender uma língua precisava-se aprender a sintaxe dessa língua.

O primeiro livro com gravuras, destinado à educação infantil foi o Orbis Sensualium Pictus, de Comenius publicado em 1658, com o objetivo de ensinar vocabulário em latim através da contextualização de imagens (PAIVA, 2012). Neste, adquirir uma nova língua passa a significar a memorização de itens lexicais.

A reprodução de som e vídeo foi uma inovação tecnológica muito significativa (PAIVA, 2012). Para o ensino de línguas, a inovação nessa época começou com a invenção do fonógrafo, por Thomas Edson, em 1878. Permitia-se através do aparelho a gravação e a reprodução dos sons. Em seguida, a reprodução de áudio em discos se deu através do gramofone, e depois em fitas magnéticas.

A reprodução do som permitiu o contato com excertos de nativos, promovendo o desenvolvimento de habilidades de compreensão oral a partir de materiais autênticos. Além disso, a criação das fitas, que possibilitam a gravação de vozes, se torna mais um recurso para o aprendizado. Apesar de o ensino estar focado na oralidade nesta fase devido à invenção do fonógrafo, as descrições sintáticas não foram ignoradas, já que a aprendizagem acontecia através de imitação e repetição de falas gravadas por nativos.

Segundo Kelly (1969, apud Paiva 2012), The International Correspondence of Scranton foi o responsável pelo primeiro material didático gravado, que consistia em livros de conversação acompanhados pelos cilindros de Thomas Edison, em 1902 e 1903. Já em 1930, os estúdios Walt Disney produzem cartoons para o ensino de inglês básico, iniciando a utilização de filmes para o ensino de línguas.

O gravador de fitas magnéticas teve grande visibilidade na década de 40, pois permitia que os alunos gravassem suas leituras e exercícios de repetição, e depois se auto-avaliassem. No final dos anos 50, surgem os laboratórios que requerem instalações específicas e dispendiosas, não se tornando grande sucesso, em parte pelos custos de investimento, em parte pela rigidez com que tratava o ensino de línguas: criação de hábitos automáticos através da repetição de estruturas sintáticas.

O rádio aparece de forma tímida como recurso para o ensino de línguas, já que as notícias eram transmitidas em tempo real, não permitindo a adaptação entre os horários de aula e da programação. Há registros, segundo Kelly (1969, apud Paiva 2008), de que a BBC transmitiu algumas aulas de inglês em 1943 e nos anos 60, transmitindo cursos de inglês em 30 línguas para vários países do mundo.

A televisão, inventada em 1926 por John Baird, passa a oferecer o vídeo e o som. Nas escolas, há dificuldade de se utilizar a programação da televisão devido à incompatibilidade de programas adequados à grade horária da escola. A televisão passa a ser mais utilizada com a criação de fitas de vídeo pelas grandes editoras e com  reprodução de filmes para o ensino da língua estrangeira.

O computador surge como mais um recurso para o ensino de idiomas, primeiramente através do projeto PLATO (Programmed Logic for Automatic Teaching Operations), em 1960, nos Estados Unidos. Segundo Leffa (2006), enfatizava-se o ensino da gramática, dentro de uma abordagem estruturalista com muita repetição para a formação de “hábitos linguísticos”, devido à concepção behaviorista da época. Já na década de 80, surgiram na Inglaterra os programas de reconstrução de texto, como o Storyboard e Adam&Eve, que só se tornaram conhecidos no Brasil na década de 90. Tais programas permitiram que o professor usasse qualquer texto, explorasse vocabulário, criasse exercícios de lacuna e, ainda, escolhesse o o nível de dificuldade da tarefa no planejamento de suas aulas.

Com o computador surge, também,uma subárea do ensino para aquisição de uma segunda língua: CALL (Computer Assisted Language Learning) que é definido como ”a busca por e o estudo das aplicações do computador no ensino e aprendizado de línguas.” (Levy, 1997:1). Incluindo atividades de desenvolvimento, descoberta, seleção, uso, e avaliação de atividades para aprendizado de línguas que baseiam-se na tecnologia. O CALL apresenta períodos representativos de estudos nas décadas de 60, 70, 80 e 90.

O advento da internet permitiu contatos globalizados no Brasil, a partir da década de 90, por meio de novas formas de comunicação entre os aprendizes de uma determinada língua estrangeira e falantes nativos dessa língua. Popularizaram-se as interações por meio de e-mail, listas de discussão e fóruns, como experiências linguísticas não-artificiais e a língua sendo percebida como comunicação.

Leffa (2006) destaca que a internet permitiu ao aluno usar a língua-alvo para se integrar em comunidades autênticas de usuários e trocar experiências com pessoas do mundo todo que estudassem a língua utilizada. Dessa maneira, a informática passa a ser usada no ensino de línguas como uma fonte dinâmica, que possibilita a integração de todas as tecnologias até então desenvolvidas, como da escrita, de áudio e vídeo, rádio, televisão, telefone, em um único recurso: o computador.

A prática de interação escrita e oral entre as pessoas se torna mais impulsionada com o desenvolvimento de recursos de comunicação instantâneas como o Icq e o MSN.  No século 21, o aprendiz passa a ser ainda mais ativo na interação eletrônica ao contribuir em páginas de relacionamentos como o Orkut, os blogs e os fotologs, os repositórios de vídeos como o YouTube, os podcasts (arquivos digitais sonoros que se assemelham a programas de rádio e podem ser baixados da internet) e uma enciclopédia mundial, a Wikipédia. Tais recursos permitiram aos usuários da rede o uso efetivo da língua em situações diversificadas de comunicação.

Menezes de Souza (2011) menciona que “o mundo globalizado contemporâneo traz consigo a aproximação e justaposição de culturas e povos diferentes – muitas vezes em situações de conflito.” Levando em consideração os âmbitos pedagógico e cultural, o uso da internet possibilita novos meios de interação e colaboração entre os envolvidos no processo de aprendizagem de LE, e também viabiliza o acesso à informação sobre a cultura de outros países possibilitando o desenvolvimento dos alunos para lidar com as diferenças de uma forma mais dialógica, dependendo da proposta de ensino que o professor utilizar.

As tecnologias permitiram aos professores proporcionar situações reais de uso da língua através de chats, leituras de textos autênticos, compreensão auditiva de programas de rádio, filmes e vídeos postados.  Além disso, as interações em chat, blogs ee-mails com fins didáticos surgem como fonte na construção do conhecimento, permitindo ao aluno se tornar co-autor mais autônomo e ter poder de decisão sobre o seu produto final de aprendizagem.

A partir de 2005, surgem as lousas interativas, que são conectadas a um computador e a um datashow e permitem a utilização de recursos de multimídia e da internet, podendo proporcionar uma interação mais dinâmica e atualizada entre professor, aluno e conteúdo. Apesar de ainda serem consideradas um recurso elitizado, pelo valor de investimento, estão presentes em alguns centros universitários, escolas e cursos de idomas. Ainda não há muitos estudos a respeito de como a lousa vem sendo utilizada em sala de aula de idiomas. Porém, assim como qualquer recurso tecnológico, sabe-se que pode ser um recurso utilizado em diferentes abordagens, dependendo das escolhas que o professor faz.

Paiva (2008) destaca que nem o livro e nem o computador farão milagres no processo de aprendizagem, se o aprendiz não estiver inserido em práticas sociais da linguagem. Dessa maneira, oportunizar situações que promovam interação e construção de significados em diferentes contextos de produção para o desenvolvimento de uma perspectiva mais crítica, com o uso de tecnologias se torna um objetivo pedagógico atual e premente.

O Professor Tecnológico

Com todo o avanço tecnológico agregado ao ensino de línguas, é evidente que o professor necessita também se tornar “tecnológico”, um profissional mais consciente e mais preparado para as transformações sociais. Cope & Kalantziz (2000) pontuam que a sociedade está em transformação e as relações de trabalho mudam também, ao demandarem profissionais que precisam decidir, ter iniciativa, pensar criticamente nas funções que lhes são atribuídas em um ambiente hierarquicamente mais horizontal. Desta forma, estar preparado para acompanhar as inovações tecnológicas e suas consequências pedagógicas constitui-se uma importante característica na atuação do professor.

A internet, por exemplo, tem alcançado um número cada vez maior de usuários, e a rapidez do seu desenvolvimento chega a impressionar educadores em geral. No que diz respeito ao ambiente pedagógico, a rapidez com que as tecnologias se instalam e se fazem presentes na vida profissional e no meio escolar pode ser preocupante se os professores não se atualizarem.

“A crescente utilização da internet está levando a uma chamada para os multiletramentos ou letramentos digitais.” (Brydon, 2011). “ Para que os professores se ajustem às modificações que se fazem presentes, dedicar-se e investir numa formação continuada que abarque essas mudanças é um passo importante para iniciar um trabalho mais conectado com todas as inovações que se apresentam. Há ainda muito a ser feito para que o professor do século XXI desenvolva habilidades que o ajudem a tornar a tecnologia uma aliada à sua prática docente, como por exemplo, levantar reflexões a respeito da utilização das novas tecnologias, para que sua utilização não seja apenas mecânica ou modismo. O professor ao fazer estas reflexões, prepara-se para fazer escolhas fundamentadas e torna-se um agente muito importante para a utilização de recursos tecnológicos disponíveis às práticas pedagógicas.

Singhal (1997) pontua que os professores de línguas precisam abordar a internet como uma experiência de aprendizado para eles próprios. Sendo assim, um dos objetivos da formação docente neste século deve ser o de fazer com que os recursos oferecidos pelas novas tecnologias “contribuam para a reflexão e o desenvolvimento do espírito crítico do professor, quebrando as barreiras entre o espaço escolar e o mundo exterior, integrando-os de forma consciente e enriquecedora” (AMARAL, 2003).

Considerações Finais

Apesar de muitas escolas e professores utilizarem recursos tecnológicos no ensino de línguas no Brasil, a trajetória do uso de tecnologia nessa área não tem sido linear e, mesmo nos dias de hoje, o acesso a esses recursos não é de alcance de todos.

Dessa forma, outros estudos, além dos aqui apresentados, seriam necessários para se perceber as implicações sociais e técnicas da chegada das novas tecnologias na área do ensino de línguas estrangeiras no Brasil e no Mundo. Percebemos, no entanto, a importância da utilização de recursos tecnológicos para o desenvolvimento do ensino de línguas, ao proporcionar ferramentas, que se bem utilizadas, tornam as aulas mais dinâmicas e interessantes.

O professor precisa estar atento para acompanhar a evolução desses recursos e manter-se em constante aprimoramento. Dessa forma, além do conhecimento linguístico e pedagógico, é importante também desenvolver o conhecimento tecnológico para que, ao ensinar, o professor sinta-se confortável para estabelecer objetivos claros  quando utilizar recursos tecnológicos em suas aulas.

O professor da atualidade precisa desenvolver competências que o ajudem a tornar a tecnologia uma ferramenta útil e significativa em termos pedagógicos, ao seu alcance. Além disso, ainda são necessárias muitas discussões, pesquisas, esclarecimentos, e incentivos governamentais para integrar a tecnologia às nossas práticas pedagógicas.

Apesar de alguns professores terem acesso a teorias que envolvam o ensino mediado pelo computador, há ainda lacunas quanto às investigações sobre resultados e evidências de ensino-aprendizagem com a utilização de recursos tecnológicos. Tal percepção suscita discussões e mais pesquisas voltadas a reflexão do papel das novas tecnologias no ensino de LE.

Referências

  • AMARAL, S. F. Comentário sobre o texto do professor Ezequiel Theodoro da Silva. In: A leitura nos oceanos da Internet. São Paulo: Cortez, p. 59-60, 2003.
  • BRYDON, D. Local Needs, Global Contexts: Learning New Literacies. In: Maciel, R.F. e Araujo, V. de A. Formação de Professores de Línguas: Ampliando Perspectivas. Jundiaí, Paco Editorial 2011, p. 93-109.
  • DUDENEY, G. & HOCKLY, N. How to teach English with Technology. Essex: Pearson Longman, 2007.
  • COPE, B.; KALANTZIS, M. Multiliteracies: Literacy learning and the design of social futures. London: Routledge, 2000.
  • LEFFA, V. J. . A aprendizagem de línguas mediada por computador. In: Vilson J. Leffa. (Org.). Pesquisa em lingüística Aplicada: temas e métodos. Pelotas: Educat, 2006, p. 11-36.
  • LEVY, M. Computer-assisted language learning. Oxford: Oxford University Press, 1997.
  • MENEZES DE SOUZA, L.M.T. Para uma redefinição de Letramento Crítico: conflito e produção de significado. In: Maciel, R.F. e Araujo, V. de A. Formação de Professores de Línguas: Ampliando Perspectivas. Jundiaí, Paco Editorial 2011, p. 128-140.
  • MONTE MÓR, W.Multimodalidades e comunicação: Antigas novas questões no ensino de línguas estrangeiras.R. Let. & Let. Uberlândia-MG v.26 n.2 p.469-476 jul.|dez. 2010.
  • PAIVA, Vera Lúcia Menezes de Oliveira e. O uso da tecnologia no ensino de línguas estrangeiras: breve retrospectiva histórica. Disponível em <http://www.veramenezes.com/techist.pdf>. Acesso em: dezembro, 2012.
  • SINGHAL, M. The internet and foreign language education: benefits and challenges. The Internet TESL Journal, Vol. III, No. 6, June 1997. Disponível em: iteslj.org/Articles/Singhal-Internet.html. Acesso em: dezembro, 2012.