6. Resenha Histórica
OLIVEIRA, L. E. (org.). A legislação pombalina sobre o ensino de línguas: suas implicações na educação brasileira (1757–1827). Maceió: EDUFAL, 2010. 339 p.
Esta obra é organizada por Luiz Eduardo Oliveira, professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de Sergipe. Ele afirma que o objetivo é examinar o processo e institucionalização do ensino de línguas na educação brasileira, no intuito de delinear suas representações e finalidades pedagógicas, políticas e culturais. Foi escrita por 16 autores ao todo, incluindo o organizador, e apresenta os resultados de um projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade Federal de Sergipe, com o mesmo título.
Ao longo do livro, busca-se relatar o desenrolar dos acontecimentos relacionados ao ensino de línguas no Brasil no período da Reforma Pombalina. Este é organizado em 14 capítulos, sendo que os dois primeiros se prestam a descrever de forma suscinta e clara o período como um todo, e a partir de então são observados com mais detalhe aspectos específicos da implementação e impacto na educação das sete peças legislativas, a saber:
- Lei do Diretório de 3 de maio de 1757: determina a obrigatoriedade do uso da “Língua do Príncipe” (língua portuguesa) na Colônia.
- Alvará de 19 de maio de 1759 / Estatutos da Aula do Comércio: procura dissipar ou evitar os prejuízos da falta de instrução para o comércio.
- Alvará de 28 de junho de 1759 / Lei Geral dos Estudos Menores: considerada a mais importante para o ensino de línguas, inclui aulas régias de latim, grego, hebraico e retórica, e indica o uso de gramática.
- Carta Lei de 7 de março de 1761: cria os estatutos do Real Colégio dos Nobres e recomenda o estudo das “línguas vivas”.
- Alvará de 30 de setembro de 1770: obriga o ensino da gramática da língua portuguesa de Antônio José dos Reis Lobato.
- Carta de Roboração de 28 de agosto de 1772: cria os novos estatutos da Universidade de Coimbra, incluindo as ciências matemáticas. Passa a ser exigido a língua estrangeira para entrada na universidade.
- Lei de 6 de novembro de 1772: torna a educação mais seletiva, dividida em dois segmentos - para rústicos ou fabris e para pessoas hábeis.
Aborda inicialmente os principais aspectos da legislação pombalina de forma geral. As peças legislativas, a abrangência alcançada, suas principais características, entre as quais destaca o caráter de recuperação econômica, política e literária, buscando tirar o atraso educacional em função da educação jesuítica, minando o poder do clero e ampliando o do estado. Os dois aspectos talvez mais impactantes dessa reforma são, por um lado o fato de visar qualidade mais do que quantidade, e por outro lado, a característica colaborativa, segundo a qual o Marques de Pombal, apesar de sua grande influência política, não deliberava ao seu bel prazer, outrossim era assessorado por pares qualificados.
Na busca por compreender as implicações dos acontecimentos que se seguiram na educação brasileira, no que tange especificamente ao ensino de línguas, revisita a história do ensino de línguas no Brasil, reconstruindo-a através da análise da legislação pombalina e, desta forma busca compreender melhor suas implicações no curso do ensino de línguas no país. Vale ressaltar que em parte desse período a língua portuguesa era também uma língua estrangeira, cuja obrigatoriedade de uso na Colônia foi imposta via legislação.
Discorre também sobre a profissionalização docente, que apresenta como características principais de sua evolução o exercício da atividade em tempo integral e como ocupação principal, a licença estatal, a formação em instituições específicas, e a constituição de associações de professores (a evolução permeia estes campos, mas não de forma linear). Em certo momento da história o professor público era novidade, este deveria ser aprovado por concurso/seleção, havendo neste contexto a hierarquização na profissão docente, pois dependia da colocação no concurso, da cadeira (se titular ou substituto), entre outros. Porém destaca que a afirmação profissional dos professores é um percurso repleto de lutas, conflitos e hesitações, em parte por que a consolidação do corpo docente é vista como ameaça para projetos da igreja, do estado e da família, bem como devido ao fato da associação docente ser pouco consensual e apresentar muita divisão interna.
Destaque é dado da mesma forma a Luiz Antonio Verney, importante estrangeirado que apresenta um plano para renovação da educação entitulado O Verdadeiro Método de Estudar, uma obra de caráter inovador, escrita a luz das ideias iluministas da Europa, constituída de 16 cartas que abordam assuntos que vão desde o ensino de português a referências a Medicina, Filosofia, Física, Lógica. Não obstante, trata de assuntos polêmicos a época, como acesso da mulher a escola. Este documento é considerado uma das bases para reformas do ensino em Portugal (e Colônias) conduzidas nesse período.
A questão dos dicionários é tratada levemente em um dos capítulos, destacando a preocupação com a praticidade dos mesmos. Observa-se que os glossários evoluíram para chegar a dicionários, e identifica-se a publicação do primeiro dicionário Latim-Português (bilingue) em 1562. Este tema é tratado com um pouco de superficialidade, supomos que o autor não tenha tido acervo suficiente para tratar do tema sob o ponto de vista histórico, que é a linha proposta em seu trabalho.
É uma obra histórica de grande relevância, pois vai costurando em suas páginas diferentes percepções desse período, as informações se entrecruzam já que a mesma peça legislativa é abordada por diferentes autores e focando diferentes aspectos que são complementares para a compreensão global. É importante perceber o quanto a obra constrói um conhecimento histórico que nos permite compreender melhor o percurso do ensino de línguas no Brasil e perceber porque chegamos até aqui da forma que chegamos, e mais ainda, delinear, a partir dessa realidade percebida, caminhos possíveis para uma atuação mais efetiva do ensino de línguas na educação brasileira. Entretanto, destaca-se a necessidade de ir além dessa obra e buscar outras que retratem os demais períodos a fim de construir um conhecimento histórico sólido e sequencial capaz de permitir uma compreensão ainda mais abrangente, e talvez uma percepção mais apurada de possibilidades futuras.