Ano 4 - Nº 4 - 1/2010

8. O ensino científico das línguas modernas

Resenha Histórica

SCHMIDT, M. O ensino científico das línguas modernas. Rio de Janeiro: Editora Briguiet & Cia, 1935

Como o próprio título já revela, nesse livro histórico que inaugura a era de publicações impressas sobre o ensino formal e a aprendizagem assistida de línguas no país, a autora se mostra uma grande defensora do então método científico das línguas. Já no prefácio dessa obra pioneira sobre o ensino de línguas teoricamente embasado, Schmidt afirma que esse ensino ainda era uma utopia e que levaria algum tempo para “precisar os seus contornos”. Ela cita várias obras também defensoras dessa marca científica acoplada ao método direto de ensino e sustenta que a oficialização desse método, gerado na Europa no finalzinho do século 19, e tardiamente chegado ao Brasil em meados dos anos 30 do século 20, poderia diminuir as razões da ineficácia do ensino de línguas no Brasil naquela época. Para a autora, o método direto, em alta voga no Brasil nesse período, era o alvorecer do método cientifico.

O livro é dividido em 13 capítulos que vão desde os objetivos de se inserir língua estrangeira no currículo secundário, passando por conselhos sobre como se ensinar línguas cientificamente, sobre como avaliar a aprendizagem de línguas, sobre a formação de professores, até a elaboração dos planos de aula e das lições. Tudo isso sempre tomando como exemplo o que já tinha sido feito fora do Brasil anteriormente. Ao final de cada capítulo a autora traz tópicos para estudo e discussão justamente pensando na formação dos professores.

No primeiro capítulo Schmidt elenca e justifica os objetivos de se inserir língua estrangeira no currículo das escolas, ressaltando que esses objetivos não devem abarcar somente conhecimentos e habilidades, mas também a formação de hábitos e atitudes educacionais. Portanto, devem conter atividades além das lingüísticas, extravasando para as esferas cultural, social e mental gerais. Nesse capítulo a autora também critica a falta de objetivos claros do método direto já implantado no Brasil, e também a falta de investigação séria nesse sentido e sustenta que o resultado geral mais visado naquele momento ainda era a leitura e a tradução. Além disso, avisa que para que um programa de ensino tenha êxito é necessário também um programa de avaliação para cada passo empreendido.

O segundo capítulo traz uma discussão sobre a importância do método, sendo definido pela autora como uma forma de sistematizar e organizar o trabalho. Nas palavras da autora, trata-se de articular um “plano preestabelecido”, “um caminho rápido, seguro e racional de se chegar a um maior resultado”. Além de uma breve explanação sobre a função da linguagem e a finalidade do ensino de línguas, nesse capítulo, a autora dedica várias páginas ao que chamou de reforma no ensino de línguas. Ela revela perceber que começa a evoluir um movimento contra o método da gramática e tradução que se origina na Alemanha com Guilherme Viëtor, passando pela França com Gouin, pela Suíça com Alge, pela Inglaterra com Karl Breul em Cambridge, entre outros, até os Estados Unidos onde surge o método Berlitz. Nesse capítulo a autora salienta, também, que surgiram debates “acres e violentos” acerca dos métodos causando a formação das primeiras associações de professores.

Foi nesse momento importante da história do ensino de línguas, por volta de 1900, que se realizou na Europa o primeiro Congresso Internacional de Línguas Vivas, no qual o método direto começou a ganhar força e se tornar obrigatório nos sistemas escolares da França e Prússia (leia-se parte da Alemanha) . Surgiram também importantes pesquisas sobre os métodos e seus resultados no ensino de línguas. A associação Modern Foreign Language Study publicou os resultados da implementação desse projeto nos Estados Unidos e esses passaram a ser usados por professores como justificativa para se adotar o que a autora chamou de métodos científicos no seu ensino.

A autora, como dissemos, chama o método direto de “alvorecer do método científico”. Nesse capítulo vamos encontrar uma esclarecedora explanação das várias formas e denominações do método direto, ordenadas pela autora: o método intuitivo, método natural, método fonético, método psicológico, método eclético e o método da leitura até chegar ao método científico que é o objeto do desejo da autora. Esse método calcado na ciência é definido como uma forma melhorada do método direto, resultado “das conquistas experimentais da ciência”.

Do capítulo III ao X a autora discorre sobre como se ensinar vocabulário, leitura, a escrita a gramática, a função do laboratório de línguas e a importância do ensino de cultura. É quase como um manual de professor. Cada tópico é iniciado com uma explicação sobre a necessidade de se desenvolver tal atividade que depois se descreve como realizá-la na prática.
Um capítulo inteiro é dedicado à avaliação da aprendizagem, intitulado “Exames e Testes” no qual se critica o exame tradicional, por sua validade duvidosa, pelas provas orais compostas de perguntas apressadas e pouco contextualizadas. Porém, atribui-se, ainda assim, certo valor educacional por considerá-lo uma forma de forçar o aluno a estudar e de reproduzir o conteúdo assimilado. A autora não aconselha a supressão total do mesmo, mas uma “remodelação à luz dos princípios modernos da metodologia”. Acredita que ele possa ser completado com outros tipos de testes, como o objetivo e o estandardizados aos quais dedica algumas páginas a título de explicação.

O capítulo doze é dedicado à formação de professores. A autora descreve o perfil dos professores de línguas na Europa e lembra que essa cadeira era de importância secundária. Bastava um estrangeiro que falasse a língua para se considerar apto a ensiná-la (como alguns ou muitos ainda acreditam hoje). Depois, esses professores foram substituídos por professores do próprio país que detinham conhecimento somente teórico sobre a língua. Essa crítica parece tão atual ainda hoje. Esses fatores do contexto escolar brasileiro existentes naquela época e hoje fazem com se ensinem línguas pelo método da explicação gramatical que o professor prepara e solicita que traduzam. Então, como reação a esses problemas, surgiram cursos de preparação de professores. Mais adiante, encontramos o que ela chamou de os requisitos de um professor de línguas. São bem atuais os requisitos que ela divide em técnicos e psicológicos e enumera desde o conhecimento acurado da matéria que se ensina, o idealismo, o amor pela profissão, até a importância da formação continuada e da leitura constante e freqüência de cursos. Nada disso foi deixado de ser recomendado até hoje ao bom professor de línguas.

Por fim, o livro pioneiro de Junqueira Schmidt traz um capítulo sobre planos e lições onde descreve, segundo ela, princípios relativos à aula de língua. Os professores daquela época que leram esse livro, ali encontraram grandes idéias para aulas que fugissem da gramática e tradução rasas. Naquela época, a autora já propunha planos de aulas diferentes para cada turma, levando em consideração as diferenças entre elas. Surpreendentemente já aconselhava a interdisciplinaridade e a distribuição do conteúdo por tópicos ou tarefas. Ela chega a sugerir a resolução de um problema que poderia levar toda aula. Os tópicos poderiam estar contidos numa imagem, história ou o assunto de um livro.

Esse livro de riqueza histórica inestimável mostra já naquela época o esforço por melhorar o ensino de línguas no Brasil. A preocupação da autora em tentar tornar a aprendizagem de uma língua estrangeira algo consistente (por uma filosofia, talvez) e a preocupação com a formação de professores são claras antecipações da nossa contemporaneidade. A todos interessados em entender a trajetória do ensino de línguas na história da educação brasileira, deixo aqui inscrita a urgência de se acolher esse livro com delicado reconhecimento de seu momento renovador que como ideia e como edição amarelecida de anos não aceitam desmanche no ar.