Ano 1 - Nº 1 - 1/2007

4. Uma Topografia do Pós-Estruturalismo do Ensino na Escola Brasileira de Línguas

Resumo:
Este artigo apresenta a evolução do ensino de línguas no Brasil e o desencadeamento desse ensino no pós-estruturalismo. Elenca os movimentos favoráveis à abordagem comunicativa desde seu início com o I Seminário Nacional para o Ensino de Línguas, realizado na UFSC – Florianópolis, em 1978. Destaca os eventos realizados na década de 80, desde a implantação de cursos de pós-graduação e consequente intensificação da pesquisa à criação de associações de professores; e, especialmente, de publicações, que ocuparam lugar proeminente pela disseminação das ideias. Destaca, também, a fundação da SIPLE (Sociedade Internacional de Português-Língua Estrangeira), a qual tem se tornado um importante polo divulgador do ensino e da pesquisa de português como língua estrangeira e segunda língua. O artigo traz, ainda, um questionamento sobre o fazer acadêmico e as práticas educativas e uma reflexão sobre o papel do pesquisador de hoje.

Palavras-Chave: abordagem comunicativa,  ensino de línguas, pós-estruturalismo do ensino

ABSTRACT: This paper presents language teaching evolution in Brazil and its decay in post-structuralism. It lists the movements in favor of the communicative approach since its beginning, in the first National Seminary to Language Teaching at UFSC – Florianópolis in 1978. It highlights events occurred in the 80s since the implementation of post-graduate courses and the following intensification of research to the creation of teachers associations; and especially of publications that occupied preeminent space for the spreading of ideas. It also highlights SIPLE foundation (International Society of Portuguese as Foreign Language) which has become an important asset for marketing teaching and research on Portuguese as a foreign language and as second language. Furthermore, it conveys questionings on academic doings and educational practices and a reflection on the modern researchers’ part.

Keywords:Communicative approach, language teaching, post-structuralism in teaching

Os ventos de mudança que sopravam da Europa já começavam a ser sentidos aqui no Brasil, a partir de 1978, quando um grupo de lingüistas aplicados, recém-chegados de seus programas de pós-graduação no exterior, lançou-se à ingente tarefa de transformação do cenário do ensino de línguas no Brasil.

O evento que marca o início dessa caminhada foi o I Seminário Nacional para o Ensino de Línguas, realizado na UFSC – Florianópolis, no mesmo ano. O evento foi, nas palavras de José Carlos Paes de Almeida Filho – um dos responsáveis pela história desenhada para o ensino de línguas no Brasil a partir de 1978 –, “um seminário sobre o ensino nocional-funcional, que se anunciava como doce promessa de renovação profissional, organizado por Carmem Rosa e colegas do curso de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina. Constituiu-se, de fato, na base pioneira de lançamento para o debate público e na primeira vitrine do que se anunciava como a nova maneira de se planejar a operação do ensino de uma nova língua” (ALMEIDA FILHO, 2005, p.89).

A partir de então, inúmeras ações foram perfilando essa nova maneira de fazer o ensino/aprendizagem de línguas no Brasil. Enquanto isso, a Europa publicava, nesse mesmo ano, a obra seminal de Henry Widdowson, “Teaching Language as Communication”, cujo teor, já desprendido do conceito de “noção/função”, define as bases do ensino comunicativo de línguas, sob a filosofia da abordagem comunicativa.

A abordagem comunicativa traz um novo alento para a área de ensino/aprendizagem de língua estrangeira no Brasil, reconstruindo um cenário em que a “receita” desgastada de aulas ministradas na língua-alvo, além dos diálogos repetitivos, calcados numa realidade desconhecida, não mais satisfaz às necessidades de quem se dedica a aprender uma língua e deixa evidente uma falha do método áudio-lingual: a pouca importância que tem o sujeito dessa atividade.

Mais que um método a seguir, era preciso que o professor dispusesse de uma abordagem que norteasse seu trabalho, permeando o planejamento de curso, a produção e a seleção de materiais, bem como o próprio método e a avaliação da produção, e também que fosse voltada para as reais necessidades do aluno.

Nesse aspecto, as propostas comunicacionais, ao serem estabelecidas, alçam o aprendiz a um lugar de destaque na sala de aula, valorizando o contexto sócio-político no qual se dá a aprendizagem, tomando-o ponto de partida para qualquer tarefa a ser realizada. Dessa forma, é inevitável o redimensionamento da função de dois elementos fundamentais na sala de aula: o professor e o aluno.

Ao professor, como mediador das atividades nessa nova perspectiva, já não cabe impor uma seqüência gramatical, nem tampouco se deixar conduzir por um planejamento de aula que priorize a explicitação das regras. Antes, negocia com seus alunos temas motivadores que lhes interessem e que irão gerar o debate e o desenvolvimento do senso crítico, provocando a interação do aluno com seu interlocutor na língua-alvo. Sai de cena o exercício gramatical rotinizante e entram em seu lugar atividades nas quais o aluno figura como desencadeador de ações, deixando de adotar uma postura tão passiva como o era na abordagem estruturalista.

Equivocadamente, essa visão de adquirir uma língua estrangeira de maneira menos entediante que o “ouça e repita”, introduzindo jogos, música, cinema e outros procedimentos no formato de dinâmicas, gerou uma compreensão distorcida do que propunham Wilkins e Widdowson, no exterior, e Almeida Filho, no Brasil.

Entendeu-se, convenientemente, que ser comunicativo era sinônimo de simpatia, abolição da gramática e não-obrigatoriedade de proficiência na língua a ser ensinada.

Almeida Filho, entusiasta e único autor brasileiro com publicações sobre o movimento no Brasil, defende que, ao contrário do que se crê popularmente, o professor comunicativo deve dominar a língua estrangeira que pretende ensinar para conduzir os trabalhos de maneira séria e satisfatória, alçando por terra a crença de que uma aula comunicativa se reduz a transformar o ambiente de sala de aula num parque de diversões, no qual a gramática não desempenha nenhum papel. Segundo o autor, na abordagem comunicativa, as regras não foram relegadas ao esquecimento, nem tampouco deixaram de ter sua importância. Elas mantêm garantido seu lugar nesse novo contexto, contudo não mais de destaque, mas apenas complementárias.

Assim, se no campo das idéias as propostas estavam se definindo, a vivência em sala de aula ainda carecia de ações consistentes que levassem a uma prática mais comprometida com a nova abordagem para o ensino de línguas.

E motivados por esse intuito, pesquisadores como José Carlos Paes de Almeida Filho, Carmem Rosa Caldas, Maria Carmélia Machado, Luiz Paulo da Moita Lopes, dentre outros, organizaram o I ENPULI (Encontro Nacional de Professores Universitários de Língua Inglesa), na Universidade do Rio Grande do Norte - UFRN, em 1979, evento que passou a ser realizado anualmente, com o apoio da ABRAPUI (Associação Brasileira de Professores Universitários de Inglês).

O movimento, ainda embrionário, vai se consolidando pouco a pouco a partir dos eventos realizados; da implantação de cursos de pós-graduação e conseqüente intensificação da pesquisa; do desenvolvimento paralelo da Lingüística Aplicada; da criação de associações de professores; e, especialmente, de publicações, que ocuparam, sempre, lugar proeminente pela disseminação das idéias. Dentre os principais periódicos elaborados a partir de 1980 estão: Boletim da Associação Brasileira de Lingüística (1981), Trabalhos em Lingüística Aplicada (1983) e DELTA – Documentação em Estudos de Lingüística Teórica e Aplicada (1985).

Como aludido acima, o movimento se firmou, inclusive, pela fundação das associações de professores, das quais a APLIESP foi a pioneira. Fundada em 1985, ela nasce do forte propósito de defender a obrigatoriedade do ensino de línguas nas escolas e leva o mérito de haver inventado um modelo de organização em bases estaduais, servindo de paradigma para a criação de muitas outras associações regionais que foram surgindo nos anos subseqüentes, além de motivar a formação de professores de outros idiomas.

Sabe-se que todo esse movimento caminha paralelo ao desenvolvimento da Lingüística Aplicada no Brasil, a qual, na década de 80, experimentou um verdadeiro “boom” com movimentos como: realização de conferências; criação da ANPOLL (Associação Nacional de Pesquisa e Programas de Pós-Graduação em Letras e Lingüística); publicação dos mais importantes periódicos da área; implantação do segundo programa de Lingüística Aplicada do país (na Universidade de Campinas – UNICAMP, em 1986); realização dos Congressos Brasileiros de Lingüística Aplicada – cuja primeira versão realizou-se em 1986 –, que têm contado a cada ano com pesquisadores de dentro e fora do país. A década de 80 serve também de marco para a realização do SimPLA (Simpósio de Lingüística Aplicada, já extinto) e do InPLA – Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada, na PUC-SP.

O ano de 1990 é especialmente importante para o desenvolvimento da Lingüística Aplicada no Brasil, que começa a se organizar politicamente em busca de financiamentos e aperfeiçoamento de pesquisas. Esse é o momento em que a Lingüística Aplicada se consolida como ciência, define seu próprio objeto de estudo e deixa de ser um apêndice da Lingüística, firmando-se agora como área de estudos voltados para a pesquisa sobre questões de linguagem na prática social. Dentre as principais celebrações dessa época está a fundação da ALAB (Associação de Lingüística Aplicada do Brasil), que atualmente é responsável pela realização de eventos, publicações e demais atribuições pertinentes à área, como a realização da EMPLE (Encontro Nacional de Política de Ensino de Línguas), desde 1996, e do ELARCO (Encontro de Lingüística Aplicada de Região Centro-Oeste), desde 2003.

Já vai longe a caminhada e intenso tem sido o movimento em busca dessa tão sonhada transformação. Como evidenciado, a era pós-década de 70 tem sido especialmente fecunda e comprometida. E dentre os frutos colhidos dessa mobilização, além dos já apresentados, destaca-se a fundação da SIPLE (Sociedade Internacional de Português-Língua Estrangeira), a qual tem se tornado um importante pólo divulgador do ensino e da pesquisa de português como língua estrangeira e segunda língua, além de promover a articulação de profissionais e de instituições.

Não é novidade que o ensino de línguas sempre ocupou lugar periférico na grade curricular da escola, mas o que desperta a atenção nesse período da história é o poder de contestação que nasce nas agremiações e encontros acadêmicos e resulta em mudanças significativas nas leis que regem o ensino no país.

As agremiações formadas nesse período exerceram papel proeminente na consolidação das mudanças no campo da Lingüística Aplicada, sobretudo por funcionarem como porta-voz e reivindicadoras de políticas públicas para o ensino de línguas. Assim como toda e qualquer ação no mundo social, o ensino de línguas caminha ao passo das deliberações legais. Nessa perspectiva, seria impossível pensar a “evolução” do ensino de línguas no Brasil sem se referir às leis que o fomentam ou suprimem.

Em 1996, 11 anos após a primeira manifestação em prol da legalização do ensino de línguas nas escolas (APLIESP), é votada a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394, que torna obrigatório o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna a partir da 5ª série do ensino fundamental, cuja escolha fica a cargo da comunidade escolar. No ensino médio, além da língua estrangeira obrigatória, também passa a ser incluída uma segunda língua, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição. Na prática, o ensino obrigatório se restringe ao inglês.

Porém, novas e importantes deliberações são acrescentadas em 2005. Segundo consta da nova Lei de Diretrizes e Bases, a Lei nº 11.161, a língua espanhola passa a constituir-se em disciplina obrigatória no currículo do ensino médio das escolas. A partir de então, a execução de ações de revalorização do ensino de línguas estrangeiras abre caminhos significativos para o aperfeiçoamento do ensino, inclusive nas questões ditas “metodológicas”.

Os PCN’s (1998) para o 2º ciclo do ensino fundamental já buscam valorizar o princípio da transversalidade, destacando tópicos como: escola e juventude, diversidade cultural, problemáticas sociais, emocionais e psicológicas dos aprendizes, e sugere uma abordagem sócio-interacional mantendo um estreito diálogo com as propostas comunicacionais para o ensino de línguas.

Dispõe-se agora de um cenário muito mais rico do que o experienciado nos idos anos 70. Depois de 28 anos do primeiro evento comunicativo no país e de vivências fecundas na área, resta, por fim, refletir sobre até onde se avançou e o que se espera alcançar nos anos vindouros para que a sonhada transformação se realize de fato.

É intrigante pensar no infinito abismo que separa o fazer acadêmico e as práticas educativas. O que se vislumbra nos corredores e tribunas das universidades ainda se constitui numa realidade distante da que se deseja para as salas de aula de língua estrangeira. Embora já se disponha de livros teóricos sobre o modo de fazer o ensino/aprendizagem de línguas hoje – o ensino comunicacional de línguas –, de um movimento consolidado pela legitimação e valorização do ensino de línguas na escola, de discussões, eventos, agremiações e publicações, a escola que temos é ainda aquela regida pela abordagem gramatical, com alguns parcos momentos comunicativizados.

Tal constatação leva, inclusive, à reflexão sobre o papel que cabe ao pesquisador de hoje: produzir T(eoria) direcionada para a materialização dos quatro elementos[1] que constituem o ensino, a qual sirva de resposta ao anseio maior do professor que não sabe como tornar concreta a filosofia do ensinar/aprender; além disso, ser multiplicador das novas concepções por meio de sua atuação nos cursos de graduação de Letras, de modo a oferecer ao professor, em formação, mecanismos teóricos para atuar de maneira reflexiva, avaliando a sua prática docente.

Isso implica, seguramente, repensar não apenas os currículos das universidades e escolas, como também os processos seletivos que permitem o acesso à graduação e o exame que avalia a qualidade dos cursos universitários, o ENC – Exame Nacional de Cursos (Provão).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA FILHO, J.C.P. de. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. São Paulo: Pontes, 1993.

ALMEIDA FILHO, J.C.P. de. Ontem e hoje no ensino de línguas do Brasil. In: STEVENS, C.M.T. e CUNHA, M.J.C. (Orgs.) Caminhos e colheita: ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil. Brasília: Editora UnB, 2003. Cap. 1, p. 19-34.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 2006. Estabelece as diretrizes e bases da educação. Brasília.

BRASIL. Lei nº 11.161, de 05 de agosto de 2005. Dispõe sobre o ensino da língua espanhola. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para assuntos jurídicos, Brasília.

CAVALCANTI, M. Applied Linguistics: Brazilian perspectives. AILA REVIEW WORLD APPLIED LINGUISTICS, 17, 2004. Amsterdam.

DAGHLIAN, C. Associações de professores de inglês. In: STEVENS, C.M.T. e CUNHA, M.J.C. (Orgs.) Caminhos e colheita: ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil. Brasília: Editora UnB, 2003. Cap. 9, p. 251-266.

PAIVA, V.L.M.O. A LDB e a legislação vigente sobre o ensino e a formação de professor de língua inglesa. In: STEVENS, C.M.T. e CUNHA, M.J.C. (Orgs.) Caminhos e colheita: ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil. Brasília: Editora UnB, 2003. Cap. 3, p. 53-84.


[1] Planejamento, materiais didáticos, método e avaliação.