Ano 1 - Nº 1 - 1/2007

6. Ensino de Línguas Estrangeiras nos Anos da Ditadura no Brasil

Resumo:
Este artigo retrata o ensino de línguas nos anos da ditadura e as consequências desse momento histórico, que exigia o patriotismo declarado com o jargão: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. A filosofia da ditadura militar esteve presente na nova lei de Diretrizes e Base da Educação, Lei 5692/71. Mostra também os movimentos favoráveis a um ensino baseado na abordagem comunicativa, movimentos estes que introduziram no Brasil um contexto contemporâneo pós-moderno no ensino de língua estrangeira.

Palavras-chave: ensino na ditadura, Lei 5692/71, abordagem comunicativa

ABSTRACT: This paper reports language teaching in the dictatorship period and the consequences of this historical moment, when patriotism was overstated by the jargon: “Brazil, love it or leave it”. Military dictatorship philosophy was present in the new law that defined Guidelines for Brazilian Educational System, Law 5692/71. It also characterizes the movements in favor of a communicative approach in language teaching, which introduced a post-modern contemporary context in language teaching in Brazil.

Keywords:teaching in dictatorship, Law 5691/71, communicative approach

Os anos 70 foram marcados pela ditadura do regime militar que se firmava no Brasil. Período em que a educação brasileira tomou direção conforme refletido na segunda edição da Lei de Diretrizes e Bases (1971). No entanto, no tocante ao ensino de língua estrangeira (doravante LE), o desinteresse e descomprometimento governamental ficou evidente. Este desinteresse nada mais era do que conseqüência daquele momento histórico que exigia dos filhos desta nação o patriotismo declarado da ditadura militar cujo jargão era: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Entretanto, os anos 70 não foram vividos passionalmente pelos personagens que compunham a história brasileira da educação de línguas, pois os ventos de inovações e mudanças que sopravam fora do Brasil, especialmente na Europa, eram trazidos pelos intelectuais que estudavam no exterior devido à ausência desses cursos no Brasil.

Em 1970 iniciava-se um processo de criação de teorias nacionais, já como um resultado do 1° Programa de Pós-graduação em Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas que era instaurado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, tendo a professora Maria Antonieta Alba Celani como um de seus idealizadores. O Programa objetivava preparar os professores de línguas para o magistério superior. Apesar de, nesse momento, a lingüística aplicada ainda ser vista como uma aplicação da lingüística básica, a PUC-SP serviu de palco inicial de um processo mais crítico para o ensino de línguas e de onde, mais tarde, surgiram teóricos engajados no movimento comunicativo que afloraria no Brasil no fim dos anos 70.

Nesse mesmo período, os professores de línguas começaram a se organizar em associações para discussões de assuntos relativos ao ensino de línguas, tendo como pioneira a Associação de Professores Universitários de Inglês, a ABRAPUI, que era voltada para a divulgação de obras científicas e literárias e ao intercâmbio cultural. Todavia, os encontros promovidos pela ABRAPUI acabaram servindo de alavanca para o movimento que mais tarde se consolidou como ENPULLI (Encontro Nacional de Professores Universitários de Língua e Literatura Inglesa), que era um evento mais direcionado ao processo de se aprender e ensinar línguas.

Um ano mais tarde, foi estabelecida a nova lei de Diretrizes e Base da Educação, Lei 5692/71, a qual manteve a filosofia da ditadura militar da época, que dava pouca ou nenhuma atenção aos traços culturais estrangeiros expressados pela língua, podendo isto ser constatado, no parecer 853/71 que previa o ensino de LE somente a título de recomendação e não como obrigatório.

Paradoxalmente, em 1976, a idéia subjacente da nova LDB era integrar os ensinos de 1° e 2° graus e, no entanto, o ensino de língua estrangeira moderna (LEM) que finalmente passou a ser obrigatório no 2° grau, a partir da resolução 58/76, permaneceu simplesmente como uma recomendação para o 1° grau, contradizendo assim a integração dos dois graus e deixando a LE, mais uma vez na história da educação brasileira relegada ao casuismo.

Neste mesmo ano acontecia simultaneamente a publicação de duas obras defendendo idéias dicotômicas sobre o ensino de LE. Uma delas, o livro de Francisco Gomes de Matos, enfatizava o estruturalismo no Brasil; enquanto que a outra, o livro Notional Syllabus, de David Wilkins (Inglaterra), introduzia os primeiros pilares de um contra-movimento que entendia a linguagem como um processo funcional-nocional visando a comunicação. Literatura esta que viria influenciar fortemente um trabalho pioneiro desenvolvido na Europa voltado para o contexto de ensino de LE no Brasil.

Este trabalho, a dissertação de mestrado do professor José Carlos Paes de Almeida Filho, foi defendido em Outubro de 1997, na Universidade de Manchester, Inglaterra, e tinha como foco a nova abordagem comunicativa para o ensino de línguas, com o título: Specifying the Notional-Functional Component for English in a Brazilian First-Year University Course.

As idéias contidas nessa dissertação tiveram sua primeira chance de propagação em um evento seminal para o ensino de línguas no Brasil, realizado em janeiro de 1978, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, cujo título era: Seminário Nocional para o Ensino Comunicativo de Línguas, organizado pela professora Carmen Rosa Caldas-Coulthard. O evento contou com palestrantes como Brian Abbs, autor da primeira série didática funcional Strategies (baseada em funções comunicativas) e José Carlos Paes de Almeida Filho, recém-retornado da Europa. Estes palestrantes combatiam publicamente as idéias estruturalistas do método audiolingual predominante no contexto nacional.

Este evento, além de trazer inovações para o ensino de LE no Brasil, introduz o país no contexto contemporâneo pós-moderno vivenciado simultaneamente na Europa, evidenciado pela publicação do livro The Teaching of Language as communication de Henry D. Widdowson.

A partir de então, os professores de LE começaram a ter visões cada vez mais críticas quanto à prática de ensino/aprendizagem de línguas e sua grande importância para a formação do cidadão mais humano e multicultural, não limitado às barreiras impostas pela única cultura-língua.


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