Ano 8 - Nº 8 - 1/2014

A História do Ensino de Alemão no Curso de Letras da Universidade de São Paulo

Resumo

O artigo tem por objetivo traçar as linhas gerais do desenvolvimento histórico do ensino de alemão no âmbito do curso de Letras/Alemão da Universidade de São Paulo desde seu início em 1940 até os dias de hoje.

Palavras-chave:Alemão como Língua Estrangeira, Letras/Alemão, Metodologia de Ensino de Línguas, Livros Didáticos

Abstract

The articleaims to outline the historical development of German language teaching in the context of German philological studies at the University of São Paulo fromits beginnings in 1940 until present days.

Keywords:German as a Foreign Language, German Studies, Language Teaching Methodology, Textbooks

Introdução

O ensino de alemão na Universidade de São Paulo iniciou em 1940, no âmbito do curso de Letras Anglo-Germânicas, e estará completando 75 anos de existência em 2015. Tendo essa data comemorativa em mente, desenvolvemos, no decorrer do ano letivo de 2013, um projeto “Ensinar com Pesquisa”, sob a orientação das professoras Eliana Fischer e Dörthe Uphoff, do qual participaram como bolsistas de graduação Elaine Rodrigues Reis Lobato e Marcos Fernandes Safra. O objetivo do projeto consistiu em retraçar a história do ensino do idioma na USP em suas diversas dimensões: institucional, curricular, metodológica e acadêmico-científica. Para isso, foi empreendida uma extensa pesquisa documental que compreendeu antigos programas de ensino, publicações comemorativas, anais de eventos e artigos em revistas especializadas, entre outras fontes. Ademais, realizamos algumas entrevistas com professores aposentados do curso de Letras/Alemão, que gentilmente se dispuseram a compartilhar conosco suas experiências docentes (e discentes) na instituição em décadas passadas. Gostaríamos de expressar a eles nosso profundo agradecimento pela oportunidade que tivemos de compreender melhor a história do curso através de seus relatos. Apresentamos, a seguir, um primeiro quadro geral dos resultados da nossa pesquisa, estando cientes que muitos dos aspectos que serão comentados mereceriam ser melhor aprofundados, aguardando, para isso, outra oportunidade de reflexão e divulgação.

Os inícios: Fundação da Universidade de São Paulo e inauguração da Cadeira de Língua e Literatura Alemã nas décadas de 1930 e 1940

A fundação da Universidade de São Paulo em 1934 coincide com a criação do primeiro curso superior de Letras no Brasil, como lembra o atual Projeto Pedagógico do curso na instituição:

O Curso de Letras da Universidade de São Paulo foi o primeiro curso superior de Letras no Brasil, criado juntamente com a Universidade de São Paulo e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras pelo Decreto 6.283, de 25 de janeiro de 1934. Antes disso, a formação em Letras estava restrita aos colégios e aos preparatórios para o ingresso nas Escolas Profissionalizantes, de modo especial, nos preparatórios para ingresso na Faculdade de Direito. (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE LETRAS, 2013: 1)

O curso, no entanto, passou a funcionar apenas a partir de outro decreto-lei, o de nº 1.609, em 1935. Naquele ano, entraram em vigor as Cadeiras de Língua e Literatura Francesa e Italiana, sendo que a Cadeira do Curso de Língua e Literatura Alemã foi constituída somente em 1940, pelo Decreto-Lei nº 1.190, do ano de 1939. O decreto estabelecia a existência do curso de Letras Anglo-Germânicas, onde os alunos matriculados estudavam, além de Língua e Literatura Alemã, Língua e Literatura Inglesa e Norte-Americana. Em seu primeiro ano de existência, o curso contava com a inscrição de sete alunos, dentro dos quais seis foram aprovados (ANUÁRIO de 1939-1949, v.1: 365).

Começando a funcionar na época da Segunda Guerra Mundial, o curso de Língua e Literatura Alemã certamente enfrentou dificuldades, ligadas, por exemplo, à obtenção de materiais didáticos adequados, já que naquele período as livrarias não importavam livros alemães (ANUÁRIO de 1939-1949, v.2: 468; HEISE, 1994: 463). Além disso, também por conta da guerra, colocava-se ainda um problema de ordem moral. Como consta no segundo volume do Anuário de 1939 a 1949 da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), que constitui nossa principal fonte de informações sobre esse período:

Se, de um lado, [a Cadeira] tinha por objetivo e por obrigação espalhar cultura, por outro lado, diante da realidade dos imperativos sociais da hora, via-se a braços com a dura tarefa de desfazer interpretações tendenciosas, separando, como se impunha, a ideia de cultura da ideia política [...]. (ANUÁRIO de 1939-1949, v.2: 468)

Por essa citação já é possível entrever o enfoque que deveria ser priorizado para que o curso pudesse ser ministrado no período de guerra sem levantar questões de ordem política. Assim, a seleção dos textos literários que comporiam o currículo priorizava temas e autores considerados clássicos, como pudemos observar ao verificar o conteúdo programático do curso de literatura da época, que conta com autores como Lessing, Goethe e Schiller e ainda com filosófos como Kant e Nietzsche (GUIA de 1943: 269-271; PROGRAMA de 1950: s/p; PROGRAMA de 1953: 337-338). Autores contemporâneos como Hermann Hesse, que tratavam de temas políticos como a Primeira Guerra Mundial, só passaram a ser citados a partir do programa de 1954 (PROGRAMA de 1954: 356; PROGRAMA de 1959: 285), ou seja, já quase dez anos após a segunda grande guerra, sugerindo o afastamento político que se deveria manter ao tratar de literatura alemã no Brasil nesse período.

Outro problema verificado na primeira década de existência do curso era o fato de que os alunos adentravam a faculdade sem nenhum conhecimento de língua alemã, o que se mostrava como entrave para o acesso à literatura. Na tentativa de solucionar tal problema se estabeleceu, a partir de 1948, uma mudança na grade, que alocava o ensino de literatura a partir do segundo ano do curso, permitindo que o primeiro ano fosse dedicado exclusivamente ao ensino da língua alemã (ANUÁRIO de 1950: 222).

Embora conste nos Anuários de 1950 e de 1951 que essa mudança tenha se mostrado positiva (ANUÁRIO de 1950: 222-223; ANUÁRIO de 1951: 235), ao ressaltar que no quarto e quinto anos fossem ministrados, com “grande aproveitamento pelos alunos”, cursos de especialização sobre Nietzsche, Schiller, Goethe e Lessing (ANUÁRIO de 1950: 222-223), sabemos também que este problema continua existindo até hoje, conforme apresentaremos mais tarde.

Dedicar o primeiro ano do curso somente ao ensino de língua tinha por objetivo “habilitar os alunos para a leitura e interpretação de textos, preparo indispensável ao estudo, nas séries subsequentes” (ANUÁRIO de 1951: 235). Como resultado disso, aponta-se no documento consultado que “os alunos dispõem de mais tempo para elaborar trabalhos, tirando melhor proveito das aulas. Na 2ª série, mostram-se mais ou menos habilitados para a leitura de autores, no original” (ibid., grifo nosso). Embora não seja possível compreendermos o exato significado do termo “mais ou menos” nesse contexto, fica claro que o aluno não estava completamente habilitado para a leitura, evidenciando que a falta de conhecimentos linguísticos ainda se constituía como um problema.

A respeito da metodologia usada nas aulas até antes da exclusão da literatura do primeiro ano, encontramos dados relevantes no Anuário da FFCL de 1939-1949:

Tendo-se em vista que os alunos não traziam o devido conhecimento do curso secundário, necessário se tornava o ensino de gramática, de conversação e de exercícios práticos. Por esse mesmo motivo as aulas de literatura eram dadas em português, embora os livros de literatura e de língua fossem em alemão. Os textos eram sempre lidos no original, traduzidos oralmente, e copiados pelos alunos nas partes interessantes para o estudo. Na aula de conversação, pelo método direto, exigia-se o estudo de vocabulário adequado e de poesias fáceis de serem gravadas de memória. (ANUÁRIO de 1939-1949, v. 2: 469)

Havia, portanto, uma divisão entre aulas de gramática e de conversação, sendo que as aulas de gramática pareciam ser suporte para a apreciação da literatura, seguindo o método de gramática e tradução, no qual o objetivo principal era a formação culta do aluno e o desenvolvimento de um pensamento lógico. Para se alcançar tal desenvolvimento intelectual, enfatizava-se o estudo da gramática e fazia-se uso da tradução de frases e textos curtos, reprodução de textos a partir de vocabulário dado e leitura e tradução de textos literários (NEUNER/HUNFELD, 1993: 19-31), práticas estas que coincidem com o que se fazia também nas aulas de literatura de acordo com o trecho citado.

Já o método direto, usado nas aulas de conversação, tinha por objetivo desenvolver uma sensibilidade linguística, a partir da aquisição intuitiva da gramática, utilizando-se de situações próximas à realidade do aprendiz. Nesse método o uso da língua materna deveria ser abolido e o professor deveria fazer uso de canções, rimas e poesias fáceis de serem decoradas para ajudar na aprendizagem do aluno (NEUNER/HUNFELD, 1993: 33-42), o que também se mostra presente no trecho citado. 

A partir dos dados levantados até aqui, fica claro o objetivo central no ensino de língua alemã dentro do Curso de Letras Anglo-Germânicas da época, que era o de promover o acesso do aluno à literatura de autores clássicos alemães em língua alemã. Esta concepção se confirma, como se verá, na década seguinte.

Anos 50: Valorização da literatura em detrimento da língua

Verificando o conteúdo dos programas de ensino que começam a ser produzidos em 1950, percebe-se o detrimento da língua em função da literatura. Dessa década, em especial, foi possível encontrar os programas dos anos de 1950, 1953, 1954, 1959 e 1960. É interessante ressaltar que desses programas, apenas o de 1953 começa pelas disciplinas de língua. Nos demais, a apresentação das matérias começa sempre pela literatura, embora o estudo da literatura, como foi dito, só começasse no segundo ano. Esse pequeno detalhe mostra a importância atribuída à literatura e ao fato da língua ser aprendida como suporte para se ter acesso à literatura.

Isso parece se confirmar quando nos detemos, rapidamente, na metodologia das aulas depois de 1948, onde se percebe que mudanças significativas ocorreram apenas nas aulas de literatura:

Nas aulas de língua eram realizados com assiduidade, exercícios de conversação e de gramática e nas de literatura desenvolvia-se o gosto pelo conhecimento através da crítica literária e de pesquisas, que eram apresentadas pelos alunos, sob forma de monografia, fazendo jus à nota semestral de aproveitamento. (ANUÁRIO de 1950: 222)

O trecho indica que o ensino da língua servia, de fato, como suporte para o estudo da literatura. Justamente por isso, havia uma certa expectativa com relação às aulas de língua, que deveriam apresentar resultados importantes para a segunda fase do curso. Um desses resultados diz respeito ao fato da Cadeira “ter adotado por praxe dar, em língua alemã, todo o curso do 4º e 5º anos, sendo as provas escritas também redigidas em alemão.” (ANUÁRIO de 1950: 223).

Essa expectativa com relação a uma efetiva aprendizagem de língua, a fim de que o curso de literatura pudesse ser melhor aproveitado, passa a exigir uma maior atenção com essas aulas, de tal forma que, em 1959 é citado, pela primeira vez nos programas de ensino, o uso de um material didático específico, a saber o livro Deutsche Sprachlehre für Ausländer de Heinz Griesbach e Dora Schulz, publicado na Alemanha em 1955.

Até esse programa pudemos observar que a citação do conteúdo é baseada somente na progressão gramatical, ou seja, o conteúdo apresenta apenas os tópicos gramaticais que eram aprendidos nas aulas de língua numa ordem crescente de dificuldade. No programa de 1959 essa ordem não deixa de existir, mas é intercalada com lições do livro didático. No primeiro tópico, por exemplo, aparecem três itens: a) Prosódia Alemã, b) Leitura e Conversação: A Escola e a Sala de Aula e c) O verbo “sein” (PROGRAMA de 1959: 285). O tópico “b”, que não apresenta um título gramatical, é, na verdade, um tópico do livro didático. Como ele era trabalhado em relação aos tópicos “a” e “c”, no entanto, é uma questão cuja resposta ainda permanece em aberto.

Anos 60: Processo de reforma curricular dos cursos de Letras

Ainda analisando os programas de ensino, entramos na década de 60, onde conseguimos os programas de 1960, 1962, 1964, 1965, 1966, 1967 e 1968. É interessante notar que nessa década o livro Deutsche Sprachlehre für Ausländer volta a ser mencionado apenas nos anos de 1966, 1967 e 1968. Não podemos explicar o motivo de sua ausência nos programas dos anos anteriores, mas o fato de ele aparecer por três anos seguidos na década de 60 parece indicar a importância cada vez maior que se começa a dar ao material didático escolhido, especialmente àquele de origem importada.

Em 1961, falece o primeiro professor catedrático da área de alemão, o Prof. Dr. Pedro de Almeida Moura, e após a convocação interina da professora livre-docente Dra. Sylvia Barbosa Ferraz, o Prof. Dr. Erwin Theodor Rosenthal assume a cátedra em 1964, através de realização de concurso (LÍNGUA E LITERATURA ALEMÃ, 1978: 2).

O professor Erwin Rosenthal, responsável também pela vice-direção da Faculdade no período entre 1967 a 1969, acompanha uma das principais mudanças curriculares e administrativas que ocorreu na instituição desde a sua fundação: a reorganização das unidades de ensino com a concomitante criação do Departamento de Letras Modernas. Em diversos artigos o professor explica com detalhes como esse processo de reestruturação universitária se desenrolou, que perpassou toda a década de 60 (cf., por exemplo, ROSENTHAL, 1968).

Anos 70: Introdução do método audiolingual e maior oferta de materiais

O ano de 1970 marca o fim da reforma universitária em São Paulo e a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), que abarcava também cursos na área das exatas, passa a abranger apenas as humanidades, denominando-se agora Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Como resultado desse processo,

a Cadeira de Língua e Literatura Alemã desvinculou-se do curso de anglo-germânicas, passando a constituir uma das cinco áreas (alemão, espanhol, francês, inglês e italiano) que compõem o Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. (HEISE, 1994:464).

O professor Erwin Rosenthal assume a chefia do novo departamento, exercendo o cargo até 1974.

Já em 1971, cria-se também o curso de pós-graduação especificamente voltado para Língua e Literatura Alemã, fazendo com que a recém estabelecida área de alemão se tornasse “a primeira área da Faculdade [...] a credenciar-se ao Ministério de Educação e Cultura para ministrar cursos de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado”, como ressalta Heise (1994: 465), docente da área.

É interessante notar que na década de 1970, surgem também os primeiros trabalhos de pós-graduação na área da linguística alemã (cf. MAYER, 1972; CAMARGO, 1973), anunciando um novo espaço para pesquisas relacionadas ao idioma, ao lado da literatura, que até então concentrava praticamente todas as atividades de pesquisa nessa área.

Nos cursos de língua, a partir de 1973, temos o registro de um novo livro didático, Deutsch als Fremdsprache de Korbinian Braun, Lorenz Nieder e Friedrich Schmöe (1970), material conhecido mundialmente como “BNS”, sigla dos autores. A troca de livro didático acompanha a tendência internacional de modernização do ensino de línguas em direção ao método audiolingual. O novo método baseia-se nas teorias estruturalista e behaviorista, considerando a aprendizagem de idiomas como um processo de imitação e repetição mecânica de estruturas linguísticas.

Além do “BNS”, também outros livros didáticos aparecem nos programas de ensino na década de 1970, evidenciando a crescente oferta de materiais para o ensino do idioma disponíveis no mercado, produzidos principalmente na Alemanha Ocidental. Assim, utiliza-se também o material Deutsch 2000, da autoria de Roland Schäpers (1974), igualmente inserido na metodologia audiolingual. Ademais, também os próprios professores da área de alemão da USP começam a produzir livros didáticos e obras de referência para o ensino do idioma. Como exemplo, vale citar o material “Estruturas gramaticais do alemão moderno”, de Marion Fleischer e Erwin Rosenthal (1977). A obra, de orientação estruturalista, passa a constar nos programas de ensino das disciplinas de língua alemã a partir de 1981.

Anos 80: Nova transição metodológica e fundação da ABRAPA

A década de 1980 é um período de nova transição metodológica, com a passagem para o paradigma comunicativo. A partir de 1987, nos programas de ensino consta o livro didático “Themen” (AUFDERSTRASSE et al., 1983), um dos materiais comunicativos de maior sucesso na época. Em um artigo do ano anterior, a professora Irene Aron (1986), docente da Área de Alemão da USP, apresenta a nova proposta metodológica do livro, comentando com as seguintes palavras o impacto do material entre os professores de alemão no país:

Fato é que – desde que surgiu o THEMEN – notou-se uma certa sensação de alívio em determinados círculos de ALE [= Alemão como Língua Estrangeira] no Brasil, pois havia agora a possibilidade de finalmente experimentar algo novo e de combater o cansaço quase incurável em relação ao “BNS” que acometeu muitos professores. Mesmo assim, a decisão de trilhar caminhos novos e, portanto, desconhecidos com o THEMEN não deveria ser fácil. (ARON, 1986: 49; tradução nossa do original alemão).

Também nos programas de ensino encontramos indícios que sugerem uma transição metodológica mais lenta, apontando para uma mistura de abordagens de ensino durante alguns anos. Assim, até os anos 90 coexiste, nos programas consultados, a menção do “Themen” com uma denominação do método como “audio-lingual” ou “audio-estrutural” (cf., por exemplo, o Programa de 1990: 134, 136), e também a gramática estruturalista de Fleischer/Rosenthal (1977) continua a ser citada como bibliografia subsidiária.

Além das mudanças metodológicas, a década de 1980 é marcada também pelo engajamento dos docentes da USP na organização da categoria dos professores de alemão em nível estadual e federal. Em 1985, surge a Associação Paulista de Professores de Alemão (APPA), instituição sem fins lucrativos que reúne, além de professores, também tradutores, alunos e pesquisadores ligados à língua e literatura alemã no estado de São Paulo. A professora Irene Aron atua como presidente da associação, cuja sede é provisoriamente alocada no Departamento de Letras Modernas da USP.

Junto à associação, cria-se em 1987 a revista “Projekt-APPA”, disponibilizada em seis edições até 1989 e impressa na gráfica da Universidade de São Paulo. A revista constitui um importante canal de comunicação para professores de alemão no Brasil e existe até hoje. Como lembra Oliveira (1997), a revista guarda, inicialmente, certas características de uma publicação acadêmica, apresentando forte enfoque teórico, e só mais tarde adquire uma linha editorial mais voltada para a prática pedagógica.

No ano de 1988, é fundada a Associação Brasileira das Associações de Professores de Alemão (ABRAPA) e a professora Ruth Mayer, docente de alemão da USP, é eleita interinamente como primeira presidente. No ano seguinte, a USP sedia também o congresso de fundação da ABRAPA, que tem como tema “Professor e aluno no ensino comunicativo do ALE”. A revista “Projekt-APPA” é incorporada pela nova associação, tornando-se agora uma revista de circulação nacional de nome “Projekt”.

Os anos 90: O ensino de alemão como campo de pesquisa

Nos anos de 1990, firma-se uma abordagem comunicativa e intercultural no ensino de língua na graduação de Letras/Alemão, como mostram os livros didáticos elencados nos programas de ensino nessa década. Como nos anos anteriores, a grande maioria dos materiais empregados é de proveniência alemã e destinada ao mercado internacional. No entanto, nota-se agora a colaboração de docentes da USP em projetos editoriais de suplementos regionais para os materiais globalizados. Nesse contexto, vale citar o Arbeitsbuch Brasilien do livro Sprachbrücke (cf. BORNEBUSCH/HARDEN, 1989), produzido já em fins da década de 80, com a autoria do leitor do DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) na USP, Herbert Bornebusch, e a colaboração da professora Eliana Fischer, além do glossário alemão – português que acompanha o material Themen neu (BATTAGLIA; OLIVEIRA, 1993), de co-autoria da professora Maria Helena Voorsluys Battaglia.

O ensino do ALE também se torna um campo de pesquisa na pós-graduação em Língua e Literatura Alemã na USP. A primeira dissertação apresentada ao curso que faz menção a questões didáticas já remonta do ano de 1987, com o trabalho de Dal Bello (1987), intitulado “Verbos funcionais: uma contribuição para o ensino de alemão a falantes de português”. Em 1994, Marilene Santana dos Santos Garcia defende a primeira tese de doutorado na área de ALE (cf. GARCIA, 1994) e até o final da década de 90 seguem-se mais sete dissertações de mestrado com esse enfoque.

No entanto, apesar do efetivo ganho de espaço do ALE nas atividades de pós-graduação, na graduação de Letras o ensino de idiomas parece ainda ter que lutar pelo seu reconhecimento. Assim, a professora Masa Nomura, docente de alemão na USP, afirma em um encontro estadual de professores de línguas estrangeiras em 1991: “Para boa parcela de docentes, o ensino de Literatura deve ser hegemônico em relação ao ensino de Língua” (NOMURA, 1991: 14). Um pouco mais à frente, a professora continua:

É preciso refletir que a maioria dos nossos alunos de Letras tem grau zero de conhecimento de línguas estrangeiras graças à inexistência de cursos dessas disciplinas nas escolas secundárias do país [...]. Os cursos de idiomas estrangeiros das faculdades de Letras brasileiras são obrigados a suprir as lacunas existentes no ensino secundário e começar do b-a-bá o aprendizado dos idiomas. Dentro desse contexto, os cursos de línguas estrangeiras dentro das faculdades de Letras sofrem uma espécie de discriminação, que se traduz em expressões como “cursinhos de línguas”, carregadas de conotações depreciativas. Esta imagem está de tal forma entranhada, dentro e fora do ambiente de Letras, que se torna premente para nós, professores de línguas estrangeiras, reformular amplamente não só o conceito de “Curso de Línguas” dentro da universidade, como também o conteúdo de tal curso [...]. (NOMURA, 1991: 14-15)

O descompasso entre as exigências de uma germanística tradicional, voltada para o estudo da literatura, e as expectativas dos alunos ingressantes no curso de Letras/Alemão fica evidente também em uma pesquisa realizada em 1993, com alunos do primeiro semestre do curso na USP. As professoras Irene Aron e Eloá Heise comentam da seguinte maneira os resultados desse levantamento:

98% dos alunos entrevistados frequentam o curso com o objetivo principal de falar fluentemente o alemão. A discrepância entre a verdadeira tarefa dos docentes e a expectativa dos alunos naturalmente causa frustrações, além de uma falta de interesse principalmente no que diz respeito ao ensino da literatura alemã. (ARON/HEISE, 1994: 13; tradução nossa do original alemão)

O desafio de conciliar as expectativas variadas com relação ao ensino de língua no âmbito de um curso de Letras e a necessidade de definir melhor o foco desse ensino marcam também os primeiros anos do novo século, como será argumentado a seguir.

Os anos 2000: Reflexões sobre a especificidade do ensino de línguas no contexto de Letras

Os programas de ensino dos anos 2000 mostram o uso continuado de materiais didáticos internacionais, produzidos para o mercado global, entre eles os livros Delfin (AUFDERSTRASSE et al., 2002) e Schritte international (NIEBISCH et al., 2006). Prevalece, portanto, ainda uma abordagem de ensino voltada para a comunicação geral, com base em materiais convencionais e altamente difundidos, que também podem ser encontrados em outros contextos de ensino do idioma no Brasil e no mundo.

A especificidade do ensino de línguas no âmbito de um curso de Letras, no entanto, é bastante destacada no novo Projeto Pedagógico do Curso de Letras da USP, aprovado em 2013 após longo período de elaboração. No documento, enfatiza-se que “um Curso de Letras é diferente de um curso de línguas estrangeiras”, ao não visar “exclusiva ou principalmente, à aquisição de proficiência em línguas estrangeiras” (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE LETRAS DA USP, 2013: 7). A especificidade de um curso de Letras é assim descrita no projeto: “um curso de Letras tem por objetivo prioritário o nível de reflexão, descrição e explicação dos fatos da linguagem, ou seja, o nível metalinguístico” (ibid.: 8; grifo nosso). Também as disciplinas de língua, cuja tarefa é “propiciar ao aluno conhecimentos de língua que lhe possibilitem desenvolver a capacidade de leitura, expressão escrita e oral” (ibid.: 13), devem respeitar esse objetivo maior.

Tendo essa orientação em mente, a Área de Alemão, em 2013, introduziu o material DaF kompakt (SANDER et al., 2011), que foca o ensino de alemão em ambiente universitário, seguindo uma abordagem mais cognitiva.

O hiato entre as disciplinas iniciais de língua e as disciplinas posteriores de literatura e linguística, no entanto, continua a ser percebido. Um projeto atual de iniciação científica, desenvolvida pela aluna Deise Tott Debia, sob orientação da professora Dörthe Uphoff, entre 2013 e 2014, enfoca o momento de passagem entre a última disciplina de língua e a primeira de literatura, mostrando que muitos alunos ainda se sentem despreparados para lidar com textos literários em língua alemã após cursar cinco semestres de língua (cf. DEBIA, 2014). Continua a valer, portanto, o diagnóstico da professora Eloá Heise, feito em 1994, quando identificou como questão central do curso de Letras/Alemão da USP

[um] problema de difícil solução: alemão não é uma disciplina que consta do elenco de matérias ministradas no curso secundário. Esse pressuposto leva a um impasse crucial: tentar conciliar a formação universitária com a aprendizagem inicial em uma língua de dificuldades específicas como o alemão. (HEISE, 1994: 463)

Considerações finais

O ensino de alemão no curso de Letras na USP percorreu um longo caminho em seus mais de 70 anos de existência. Nosso breve histórico mostrou que as atividades de ensino acompanharam as principais macrotendências metodológicas da pedagogia de línguas estrangeiras, mas também apresentam desafios próprios, decorrentes de sua inserção em um curso de Letras e de sua função de preparar o aluno para o manejo de textos literários e acadêmicos em alemão. Pôde-se perceber, ademais, que docentes da Área de Alemão da USP tiveram participação expressiva na consolidação do ensino do idioma no Brasil, seja como autores de materiais didáticos, seja por meio de seu engajamento na ABRAPA, seja como pesquisadores e orientadores de pós-graduação na área de Alemão como Língua Estrangeira.

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