Ano 8 - Nº 8 - 1/2014

Ecos e Ocos da Reforma Francisco Campos sobre o Ensino de Línguas no Brasil

Resumo

Este trabalho aponta algumas implicações da Reforma Francisco Campos sobre o ensino de línguas dos nossos dias, procurando responder à seguinte pergunta: de que maneira o ensino de línguas hodierno apresenta ou não traços/influências das propostas da Reforma Francisco Campos? Para tanto, o trabalho parte de uma contextualização histórica da Reforma para uma análise do Decreto 20.833, de 21 de dezembro de 1931. Em seguida, o artigo apresenta algumas reflexões sobre o que a Reforma representou para o ensino de línguas de então. Por fim, verificam-se os possíveis reflexos da Reforma no ensino de línguas contemporâneo, por meio dos mais recentes documentos oficiais.

Palavras-chave: Reforma Francisco Campos; Decreto 20.833 de 21 de dezembro de 1931; Ensino de Línguas.

Abstract

This paper aims to point to some aspects of the Francisco Campos Reformation on current language teaching. So, it tries to answer the following question: how is current language teaching affected or not by the purposes of the Francisco Campos Reformation? So, at first, this study goes from a brief historic contextualization of the Reformation to an analysis of the Law 20.833 of December 21, 1931. After that, the paper introduces some considerations on what the Reformation represented to language teaching then. Finally, some possible influences of the Reformation over language teaching nowadays are verified, through the most recent official documents.

Keywords: Francisco Campos Reformation; Law 20.833 of December 21, 1931; Language Teaching.

Introdução

Há muito tempo, professores de línguas das escolas públicas de todo o país vivem uma aflição em comum: a ausência de uma política de ensino de línguas de amplo alcance, que seja firme, bem fundamentada, orientada e executada (LEFFA, 2009). Antes, o que se vê é um completo descaso para com o ensino de línguas estrangeiras no Brasil, que, em tal atitude, acaba por se colocar numa posição vergonhosa no ranking das principais deficiências educacionais dos nossos tempos: o monolinguismo, também chamado de “analfabetismo do futuro”, o qual consiste na competência comunicativa em apenas uma língua (SCHÜTZ, 2012).

É um anseio urgente dos agentes engajados nos processos de ensino-aprendizagem de línguas nas escolas públicas brasileiras que haja uma completa transformação da realidade que se coloca diante dos nossos olhos hoje, de modo que a experiência de aprender uma língua estrangeira no ambiente formal da escola contemple a elaboração de um bom currículo, que oportunize ao aluno uma carga horária significativa, que viabilize materiais didáticos eficientes e que possibilite um leque de abordagens, métodos e técnicas (vide ANTHONY, 1963) a partir das quais professores de línguas possam orientar seu trabalho, à luz das pesquisas e produções bibliográficas que constituem a teoria formal da área de ensino-aprendizagem de línguas.

Assim, para compreender o atual cenário do ensino de línguas estrangeiras no Brasil, é fundamental atentar para o percurso histórico pelo qual passaram os processos de ensinar e aprender línguas em solo brasileiro, tanto em contextos formais, quanto informais. Além disso, conhecer a História nacional se constitui como fator importante quando nos propomos a estudar um determinado aspecto dentro da história, como, por exemplo, a história do ensino de línguas em território nacional, visto que “a evolução do ensino de línguas se confunde com a própria história da escola secundária brasileira”. (CHAGAS, 1979, p. 103)

Nessa perspectiva, ao historicizar o ensino de línguas, pesquisadores e estudiosos do assunto descortinam diante dos agentes envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem de línguas uma gama de novos horizontes, mediante os quais significativas transformações nas práticas de ensino e nos processos formativos de professores e aprendizes de línguas podem ocorrer, pois “a História diz muito sobre a nossa identidade, crenças e também sobre o modo como justificamos nossa prática profissional”, e é por meio dela que conseguimos  “interpretar velhos episódios para descobrir, explorar e projetar novos sentidos que possam produzir perspectivas e atitudes que sejam relevantes na nossa formação e atuação”. (ALENCAR, 2009, p. 01)

Desse modo, este trabalho se justifica na necessidade de conhecimento dos fatos passados sobre o ensino de línguas no contexto brasileiro, à época da Reforma Francisco Campos, de maneira a compreender a contemporaneidade no ensino de línguas na escola brasileira, considerando possíveis influências ou ressonâncias da Reforma no ensino de línguas dos nossos dias.

Assim, numa relação dialógica entre o decreto 20.833 de 21 de dezembro de 1931 e as edições da LDB (1961, 1971, 1996), junto às Orientações Curriculares Nacionais (2006), o presente trabalho procura mostrar aos agentes envolvidos nas questões de aquisição, ensino e aprendizagem de línguas as políticas de ensino de idiomas propostas para a escola pública brasileira em 1931 assim como aquelas de que dispõe a legislação hoje, tendo como referência tais documentos oficiais, além de verificar possíveis reflexos das políticas de ensino de línguas da Reforma Francisco Campos sobre o contexto educacional brasileiro atual.

Contexto Histórico

A Reforma Francisco Campos (1931) acontece num contexto histórico, político e social marcado por profundas transformações em todas as esferas do território nacional. Historicamente, o Brasil saía da Primeira República para, através da Revolução de Outubro de 1930, vivenciar o início de um novo tempo. No campo político, sob a influência dos militares e da Igreja, Getúlio Vargas instaura um governo totalitário, notadamente marcado pelo autoritarismo e nacionalismo. Na esfera social, essa nova era se constituiu pela crise do modelo agrário-comercial, caracterizado pela exportação e dependência, abrindo caminho para o princípio da estruturação do modelo nacional-desenvolvimentista, com base na industrialização. Desse modo, com o início da industrialização, a composição social tornou-se mais complexa. Existe uma pequena burguesia, uma camada média de intelectuais e o operariado nascente. (HILSDORF, 2005)

Em relação às artes, ciências e cultura em geral, o país também começava a experimentar, de fato, ainda que tardiamente, correntes de pensamento que vários intelectuais da Europa já faziam ecoar dois séculos atrás. Para Veloso e Madeira (1999), esse foi um momento “em que ocorreram grandes mutações políticas e sociais”, pois inaugurou “uma nova maneira de pensar e de inscrever o país na modernidade ocidental” (VELOSO; MADEIRA, 1999, p. 75). Nesse sentido, a respeito das ideias que vinham da Europa, e que constituíram a mola mestra de mudanças tão incisivas, Romero (1926) afirmou que um bando de ideias novas esvoaçava sobre o país de todos os pontos do horizonte.

Diante dessas breves considerações, é preciso ter em mente que, além de uma contextualização histórica de cunho mais generalista, analisar as implicações da Reforma para o ensino de línguas no Brasil exigirá, de modo mais específico, daqueles que se empenham em tal tarefa, uma compreensão dos fatos que a história revela como determinantes nos processos que resultaram na criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, visto que, como já se disse, “[a] evolução do ensino de línguas no Brasil confunde-se com a história da própria escola secundária brasileira. Uma está contida na outra, tal como a parte se integra necessariamente no todo” (CHAGAS, 1979, p. 103).

No momento em questão, havia uma pressão de demanda por escolas, provocada pela pressão social que se acentuava. Nesse contexto, a Educação da Era Vargas é caracterizada, principalmente, pela luta ideológica entre o movimento liberal renovador, que defendia a Escola Nova, e os educadores católicos. Assim, sabendo que, desde a Constituição de 1891, da Primeira República, já havia a reafirmação do processo de descentralização do ensino do Império, conferindo à União a educação superior e secundária, e aos Estados, a educação elementar e a profissional, foi criado, no Governo Vargas, o Ministério da Educação e Saúde Pública.

O primeiro ministro da Educação foi Francisco Campos, “... que promovera a reforma escolanovista de Minas Gerais em 1927” (HILSDORF, 2005: 94). À frente do Ministério, sua reforma regulamentou, orientou e estruturou a Educação em nível nacional. Implementada através de decretos que criaram o Conselho Nacional de Educação, a Reforma Francisco Campos organizou o Ensino Superior no Brasil e adotou o regime universitário, além de organizar, também, a Universidade do Rio de Janeiro, o ensino secundário e o comercial. Todavia, apesar de indicarem uma ação planejada em nível nacional, esse conjunto de decretos ignorou completamente a educação primária.

É possível, pois, dizer que, em linhas gerais, a importância da Reforma Francisco Campos reside no fato de que, ao estruturar o sistema educacional nacional, ela estabeleceu o currículo em séries, assim como a obrigatoriedade da frequência. Além disso, graças a ela, vários colégios secundários do país foram equiparados ao Colégio Pedro II, sob inspeção federal. Em relação ao ensino de línguas propriamente dito, que interessa ao presente artigo, além de introduzir mudanças no conteúdo e valorizar a presença das ditas “línguas modernas”, que prevaleceram sobre o Latim, a Reforma estabeleceu, por meio de Decreto, uma metodologia específica para o ensino de línguas (o Método Direto), sobre cujas implicações serão feitas algumas reflexões, como se verificará a seguir.

O Decreto 20.833, de 21 de Dezembro de 1931: O Método Direto como Metodologia Oficial de Ensino de Línguas no Brasil

A Reforma Francisco Campos determinou diretrizes para o ensino superior, secundário e comercial. Limitando-nos às questões decorrentes das determinações para o ensino secundário de então, torna-se necessário compreender que, no que se refere ao ensino de línguas, as diretrizes adotadas para as disciplinas chamadas “línguas vivas estrangeiras”, a saber, francês, inglês e alemão, passaram a gozar de uma carga horária maior, em comparação ao Latim, língua que, ao lado do Grego, constituía o total absoluto de línguas presentes no currículo escolar anterior a 1931. Entretanto, como se pode verificar em Oliveira e Escobar (2009), a maior inovação da Reforma foi a adoção do Método Direto (MD) no ensino de línguas estrangeiras. Atente-se, pois, para o excerto abaixo, extraído do Decreto 20.833, de 21 de dezembro de 1931:

Art. 1º - O ensino das línguas vivas estrangeiras (francês, inglês e alemão), no Colégio Pedro II e estabelecimentos de ensino secundário a que este serve de padrão, terão caráter eminentemente prático e será ministrado na própria língua que se deseja ensinar, adotando-se o método direto desde a primeira aula. Assim compreendido, tem por fim dotar os jovens brasileiros de três instrumentos práticos e eficientes, destinados não somente a estender o campo da sua cultura literária e de seus conhecimentos científicos, como também a colocá-los em situação de usar para fins utilitários, da expressão falada e escrita dessas línguas.

Em face das propostas do fragmento do Decreto ora apresentado, antes de quaisquer análises a que se venham acrescer reflexões, considerações e pormenorizações, um breve histórico do Método Direto manifesta-se de fundamental importância para compreendermos sua adoção no Brasil.

O surgimento do Método Direto aconteceu em meio à efervescência de ideias, experiências, discussões e propostas que culminaram num grande movimento de reformas na didática das línguas modernas, o qual se deu na passagem do século XIX para o século XX (HOWATT, 1894). Decorrente da Revolução Industrial, havia a necessidade de comunicação entre os diversos países que, à época, submetiam-se ao regime da máquina e da produção em larga escala.  Motivados por esse objetivo, vários intelectuais desenvolveram ideias que resultaram numa ampla gama de tendências metodológicas para se ensinar e aprender línguas. Nesse ínterim, já em 1900, em meio às discussões e debates que emergiram do Congresso Internacional de Línguas Vivas, realizado em Leipzig, as propostas metodológicas até então empreendidas se combinaram, resultando num método eclético que se constituía das contribuições das propostas anteriores, o qual ficou conhecido como Método Direto, nome pelo qual já era chamado desde o Congresso Filológico de Estocolmo (1886). Em relação ao Brasil, somente trinta anos depois de sua adoção na França (1902) é que o Método Direto atingiu nosso cenário pedagógico, quando de sua obrigatoriedade como metodologia oficial de ensino (1931).

Em linhas gerais, o Método Direto consiste em desenvolver o processo de ensino-aprendizagem na própria língua-alvo, ensinando a gramática de forma indutiva e evitando o uso da língua materna, de modo que o mecanismo da tradução só é viável quando as ferramentas disponíveis na língua estrangeira não são capazes de mostrar o significado das palavras (CHAGAS, 1979). Nessa perspectiva, o ensino deveria seguir a sequência compreender, falar, ler e escrever. Por meio da proposição de tal metodologia, que preconizava a oralidade em detrimento da escrita, grande avanço se percebe no ensino de línguas em contexto nacional, o qual, outrora, via na língua escrita seu único motivo, meio e fim, em obediência aos clássicos modelos de ensino-aprendizagem de idiomas.

Analisadas as questões expressas nas linhas anteriores, nesse momento, de modo a compreendermos melhor alguns aspectos do texto da lei, merecem destaque alguns trechos do excerto extraído do Decreto 20.833, de 21 de dezembro de 1931.

No artigo 1º, lê-se que o ensino de línguas teria, doravante, “caráter prático”. Ora, em aberta oposição ao caráter estanque e fossilizado da Gramática e Tradução, em que a língua é vista como objeto de estudo e não como veículo de comunicação, a Reforma vislumbrava no Método Direto a possibilidade de trazer aos estudantes brasileiros uma formação que lhes proporcionasse utilizar a língua nas demandas da nova realidade de inserção do país no mundo globalizado e industrializado, em virtude do qual se orientava o Governo Vargas. Vê-se, pois, as políticas de ensino de línguas sujeitas à situação, ou melhor, aos interesses políticos e econômicos do país, de modo que sua proposta e execução acontece apenas em função dos mesmos interesses.

Ainda no artigo em questão, afirma a lei que, a partir de então, o ensino de línguas seria ministrado de maneira a dotar os jovens brasileiros de “três instrumentos práticos e eficientes”. Nessa perspectiva, apesar do empenho em tornar o ensino de línguas na escola pública brasileira mais próximo de uma realidade de efetivo uso dos idiomas ensinados, o texto sugere que, ao encarar a língua apenas como “instrumento” para determinados fins, o ensino ainda está pautado apenas na noção de competência linguística, ignorando completamente quaisquer propostas pautadas na comunicação, bem como as implicações disso para o ensinar e aprender línguas. Ademais, cabe perguntar se a onda de ensino instrumental que tomou conta do país nas décadas subsequentes tem ou não origem na visão expressa no excerto aqui analisado.

O mesmo texto, embora proponha o ensino baseado no Método Direto, manifesta traços que evidenciam alguns dos objetivos do Método Tradicional: a leitura dos clássicos da cultura greco-romana. Referindo-se aos estudantes, ao afirmar que as línguas vivas, chamadas “instrumentos”, estariam destinadas a não somente estender o campo da sua cultura literária e de seus conhecimentos científicos, como também colocá-los em situação de usar para fins utilitários da expressão falada e escrita dessas línguas, o texto da Reforma faz emergir a proposta de conhecimento da língua escrita tendo como fim a leitura da “cultura literária”, que há muito era o único propósito de ensinar e aprender línguas. Note-se que o termo “cultura literária” remete à Literatura Canônica, composta, necessariamente, de obras consideradas superiores, o que lhes confere o título de clássicas.

Embora essa breve análise de alguns pontos do artigo 1º do Decreto 20.833, de 21 de dezembro de 1931 permita constatar alguns aspectos do Método Tradicional nas propostas apresentadas para o ensino de línguas de então, de modo algum, tal fato anula o valor da Reforma Francisco Campos para a história do ensino de línguas no Brasil.

Entretanto, embora representasse um grande avanço em termos de ensino de línguas, a Reforma Francisco Campos não foi capaz de fazer cumprir, na prática, uma realidade de efetivo ensino-aprendizagem de línguas, ao instituir o Método Direto como metodologia oficial, pois, além da precariedade de recursos da maioria das escolas secundárias do país, pouquíssimos professores gozavam de formação para as exigências do novo método, assim como o domínio necessário para se expressar oralmente na língua-alvo na prática cotidiana em sala de aula, que era pressuposto fundamental da nova metodologia.

Assim, entendendo a ousadia e inovação de tal metodologia para a época, principalmente se analisada no contexto brasileiro anterior à Reforma, em que as únicas línguas ensinadas (Latim e Grego) eram línguas mortas e seguiam o Método Tradicional, baseado na Gramática e Tradução, não é espanto saber que o Colégio Pedro II foi um dos poucos, senão o único, em que tal proposta realmente manifestou a vivência de “uma experiência sem precedentes”, a qual transmitia ao aluno a “posse real e efetiva” da língua (CHAGAS, 1979).

Grosso modo, no campo do ensino de línguas, verifica-se que a Reforma Francisco Campos, apesar dos entraves e dificuldades, “constituiu a primeira tentativa realmente séria já empreendida entre nós para atualizar o estudo dos idiomas modernos” (CHAGAS, 1979, p. 110).

Ecos e Ocos da Reforma Francisco Campos sobre Ensino de Línguas no Brasil Contemporâneo

Considerando as propostas da Reforma de 1931 para o ensino de Línguas no Brasil, torna-se necessário, nesse momento, verificar possíveis reflexos / influências de suas propostas sobre o ensino de línguas contemporâneo, atentando, nos nossos dias, para o que dizem a Lei de Diretrizes e Bases e as Orientações Curriculares a respeito das línguas estrangeiras.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) teve sua primeira edição no ano 1961, seguida por uma versão de 1971, a qual vigorou até 1996, quando uma edição mais recente foi promulgada. O fato é que, na primeira edição da LDB, permaneciam obrigatórias as disciplinas Português, Matemática, Geografia, História e Ciências, enquanto o ensino de línguas estrangeiras, cuja oferta era, outrora, obrigatória, passava a ser facultativa e de incumbência dos Estados, conforme se lê no texto original:

Art. 35, §1º – Ao Conselho Federal de Educação compete indicar, para todos os sistemas de ensino médio, até cinco disciplinas obrigatórias, cabendo aos conselhos estaduais de educação completar o seu número e relacionar as de caráter optativo que podem ser adotadas pelos estabelecimentos de ensino.

Ora, cabe lembrar que desde 1945 – quase duas décadas antes da primeira versão da LDB – em virtude da Segunda Guerra Mundial, intensificava-se a dependência econômica e cultural brasileira em relação aos Estados Unidos. Aumentava, portanto, o prestígio da língua inglesa, a qual, paradoxal e curiosamente, deixava, assim como as demais línguas estrangeiras, de ser obrigatória nos currículos propostos pela nova gestão, quando da primeira edição da Lei de Diretrizes e Bases. Ao contrário do que aconteceu na Reforma Francisco Campos, que preconizava uma oferta multíplice de línguas estrangeiras em virtude do contexto político e econômico em que se inseria o país, a LDB, mesmo em face da procura mundial pela língua inglesa, a retirava, junto às demais, da grade obrigatória do currículo. Tal fato culminou, por parte de um número cada vez maior de pessoas, na considerável procura por instituições livres – escolas de idiomas – para vivenciar o que a escola regular não oferece.

Tendo em vista a importância das línguas para a efetiva inserção e participação no mundo globalizado, a desobrigação do ensino de línguas estrangeiras a que o Estado deixou as escolas trouxe enormes prejuízos para a educação e, consequentemente, para o desenvolvimento do país, que prosseguiu resoluto, ensimesmado e herdeiro de um atávico e cruel legado no ranking das deficiências educacionais mundiais: o monolinguismo.

Em termos de vigência da lei, tal situação só mudou quando, em 1996, a nova versão das Diretrizes determinava a obrigatoriedade de pelo menos uma língua estrangeira, cujo ensino, apesar da já mencionada obrigatoriedade, ainda patina e oscila entre uma carga horária raquítica, uma má formação docente, um número excessivo de alunos nas salas de aula e, crucialmente, a falta de domínio da língua-alvo por parte dos professores. Apesar da letra da lei, sua proposta não encontra condições capazes de combater o amplo alcance do monolinguismo, que, nos nossos dias, mostra-se mais como uma “cultura monolíngue”, profundamente enraizada em nossa identidade nacional, pois, como lembram Kanashiro e Callegari (2012, p. 240), mesmo que os documentos oficiais brasileiros para o Ensino Médio, como os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNEM (1999), e as Orientações Curriculares – OC (2006) “tenham estabelecido o fim do monolinguismo”, poucas são as instituições que oferecem ao candidato a oportunidade de optar por uma língua estrangeira no vestibular.

Ademais, de acordo com a Orientações Curriculares Nacionais, documento oficial mais recente, o ensino de língua estrangeira na escola não deve acontecer como no contexto de uma escola de idiomas, pois “os objetivos do ensino de idiomas da escola regular são diferentes dos objetivos dos cursos de idiomas” (BRASIL, 2006, p. 90). Entretanto é notório que um número cada vez maior de pessoas, em virtude das demandas do mercado e da sociedade global em que vivemos, procuram nas escolas de línguas, chamadas de instituições livres, a oportunidade de vivenciar uma experiência de ensino-aprendizagem de línguas que não encontram na escola regular, tal qual atesta Cunha (2014, p. 35), afirmando, tomando como exemplo o inglês, que é considerável “o número de estudantes que conclui o Ensino Médio com precária competência comunicativa nessa língua”, o que leva muitos a “buscar em escolas de idiomas, ou em intercâmbios, possíveis soluções para esse problema”.

A respeito da precariedade do ambiente escolar regular para a aquisição de uma língua estrangeira, assim como da procura por cursos livres para vivenciar a experiência de aquisição de outro idioma, Almeida (2011), em relação à língua inglesa, afirma que apesar de fazer parte do currículo nacional há mais de um século, “poucos são os estudantes que alcançam êxito no aprendizado de inglês em cursos regulares.” Para o autor, é nas instituições de ensino de línguas estrangeiras que é possível encontrar “um ambiente propício para o aprendizado –  com professores capacitados, material e recursos didáticos adequados e, principalmente, um número reduzido de estudantes em sala” (ALMEIDA, 2011, p. 167).

É fato que a proposta do Método Direto encontrou plena realização em poucas instituições, como relatam as bibliografias a respeito da experiência no Colégio Pedro II. Também é fato que a adoção exclusiva de um único método não constitui a solução para os processos de ensinar e aprender línguas, pois “[n]enhuma abordagem contém toda a verdade e ninguém sabe tanto que não possa evoluir. A atitude sábia é incorporar o novo ao antigo” (LEFFA, 1988, P. 13-24). Contudo, em face do ideário renovador proposto pela Reforma Francisco Campos para o ensino-aprendizagem de línguas, é mister refletir sobre quem  éramos e o que somos em termos de políticas de ensino de línguas atualmente. Como afirma Leffa (2009, p 17), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no que se refere às línguas estrangeiras no cenário nacional, “garante a liturgia de ensino, mas não a aprendizagem efetiva. Não dá as garantias mínimas de tempo e de infraestrutura básica para que o aluno aprenda”.

Considerações Finais

No limiar da história da Educação no Brasil, a questão do ensino de línguas ainda se mostra não resolvida. Em mais de quinhentos anos de história, as poucas, porém ricas experiências de troca linguística com foco na comunicação e uso propositado da língua alvo limitam-se, basicamente, ao contato entre os portugueses (especialmente os jesuítas) e os nativos, quando do Descobrimento. Fora isso, depois de cinco séculos de evolução da Educação no país, a escola pública brasileira, com raríssimas exceções, ainda não oferece ao aluno a oportunidade de vivenciar a experiência de aquisição de uma língua estrangeira.

Herdeiros de um legado de atavismo no que se refere à experiência de adquirir uma língua estrangeira no ambiente escolar, os mais recentes documentos oficiais (Parâmetros Curriculares Nacionais, Lei de Diretrizes e Bases e Orientações Curriculares) limitam o ensino de línguas estrangeiras a um papel puramente instrumental, negligenciando a necessidade global de comunicação em outras línguas que não somente a materna, decorrente da realidade em face da qual o mundo se encontra: a transposição de fronteiras e o acesso aos mais diversos bens culturais e materiais.

Entretanto, ocupando uma posição singular no conjunto das políticas educacionais do país, encontra-se um movimento de transformações na esfera educacional empenhado durante a Era Vargas (a partir de 1930) conhecido como a Reforma Francisco Campos, a qual, em linhas gerais, foi a primeira reforma educacional em caráter nacional, realizada pelo então Ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos (1931).  A Reforma deu uma estrutura orgânica ao ensino secundário, comercial e superior. Com relação ao ensino de línguas estrangeiras, a reforma introduziu mudanças não somente no conteúdo, com maior ênfase às ditas “línguas modernas”, mas principalmente quanto à metodologia: o Método Direto.

Enfim, existem críticas à Reforma Francisco Campos por ter determinado um único método de ensino de línguas em todo o território nacional. Por outro lado, as atuais diretrizes e orientações de que dispõe o país, embora discorram e fundamentem, por meio dos documentos oficiais, a visão e concepção governamental acerca do que é ensinar e aprender uma língua, o ensino de idiomas jamais vislumbrou uma política tão firme e orientada quanto a proposta nos decretos de Francisco Campos, os quais, ainda que incisivamente, determinavam oferta variada de línguas estrangeiras assim como carga horária consideravelmente superior à que se destina, atualmente, às línguas estrangeiras na escola regular. Além disso, existem relatos documentados sobre o empreendimento bem sucedido da Reforma e sua proposta no Colégio Pedro II (CARNEIRO LEÃO, 1935; CHAGAS, 1979) , do qual fizeram parte professores como Carneiro Leão e Junqueira Schimidt.

Desse modo, sabendo que, numa linguagem simples, porém objetiva, o Decreto 20.833, de 21 de dezembro de 1931 preconizava o caráter prático do ensino-aprendizagem e, consequentemente, posterior uso da língua, cabe citar as palavras de Revuz (1998: 215), para quem cada método, ou a soma de vários métodos, pode ser capaz de produzir alunos “brilhantes”, mas também “seus refratários”, porque aprender uma língua, diferentemente das outras disciplinas da educação básica às quais os alunos estão expostos, não é apenas um “objeto de conhecimento intelectual”. Língua é “também objeto de uma prática”.

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