Ano 7 - Nº 7 - 1/2013

O Ensino de Língua Estrangeira em Cuba

Resumo

O artigo O Ensino de Língua Estrangeira em Cuba é uma republicação de um texto publicado em 1980 pelo Professor José Carlos Paes de Almeida Filho. Nesse artigo, tem-se o cenário educacional em Cuba à época, bem como uma comparação de tendências quanto à metodologia e conteúdo de livros didáticos em Havana e no Brasil. O próprio autor brinda a revista Helb com um posfácio no qual destaca as circunstâncias em que escreveu este artigo e aspectos relevantes do mesmo.

Abstract

The article "On the Teaching of Foreign Languages in Cuba" is a republication of a text published in 1980 by Dr. José Carlos Paes de Almeida Filho. In this article, the educational landscape of Cuba at the time is described, as well as a comparison of trends related to methodology and the content of textbooks in Havana and in Brazil. The author himself provides Helb Magazine with an afterword in which he describes the circumstances in which he wrote this article and its relative aspects.

Posfácio do autor para a Revista HELB, vol. 07

Este artigo foi publicado na acolhedora Revista de Estudos Germânicos, da UFMG, no fim da década de 1980 após uma viagem desafiadora a Cuba realizada em princípios de 1988, por conta e risco próprios, e motivada pela grande curiosidade que a minha geração nutria pela experiência política revolucionária que se estabeleceu na ilha cubana após 1959. 

Os anos 60 e 70 impuseram uma cortina de sigilo sobre essa experiência social liderada por Fidel Castro que só fez atiçar nosso imaginário controlado por sucessivos chefes militares incrustados na presidência da república no Brasil. No final dos anos 80 tornou-se possível visitar Cuba e para lá fomos eu e minha família – esposa, Olga P. Paes de Almeida, inestimável colaboradora neste estudo, e dois filhos menores , João Henrique e Luis Felipe Paes de Almeida, à época com 7 e 11 anos de idade e em busca de ação.  Foi uma estada curta de menos de duas semanas, mas intensa e emocionante nas descobertas e confrontação de mitos. Durante nossa estada, buscamos meios de visitar escolas, às vezes retidos só na parte de fora e, com sorte, duas escolas nos franquearam adentrar o recinto educacional.

Entrevistar alguém sobre o andamento escolar parecia àquela altura um risco, dado o controle exercido pelos guardiões da revolução.  O artigo que resultou dessa incursão por escolas cubanas para aquilatar comparativamente o ensino de línguas em Cuba e no Brasil à época é um tipo de publicação cotejadora de sistemas que não frutificou com abundância em nossas revistas especializadas no país.  Hoje vejo também o interesse histórico que essa peça acadêmica encapsula e, por isso, parece uma pena, não trazer de volta a sua republicação num periódico temático digital de ampla circulação como a Revista HELB, livre e aberto para a comunidade de leitores de língua portuguesa não só no Brasil, mas também no mundo.

                                                                                                 Brasília, agosto de 2012.

 

O Ensino de Língua Estrangeira em Cuba

Foreign Language Teaching in Cuba
José Carlos Paes de Almeida Filho 1
UNICAMP

Summary

The article provides a background to help understand the educational scene in Cuba and particularly the foreign language policies and practices in that country. Most of the major structuring aspects such as number of classes per week, grades in which the foreign language is taught and type of textbook are treated as well as the general role and importance of that discipline for educational authorities. The questions of textbook content selection and methodology are discussed from sample data collected in Havana and compared to current trends in Brazil.

Resumo

O ensaio apresenta um pano de fundo para a compreensão do cenário educacional em Cuba, particularmente quanto às polí­ticas e práticas no ensino de língua estrangeira. São aborda­dos aspectos como número de aulas semanais, séries nas quais se ensina língua estrangeira e tipo de livro didático, e ainda a função geral e a importância da disciplina para as autoridades educacionais. Questões referen­tes à metodologia e ao conteúdo de livros didáticos são discutidas a partir de amostragens de dados coletados em Havana e compa­rados às tendências no Brasil.

Assim que o visitante deixa c aeroporto internacional em Cu­ba seus olhos não podem deixar de ver um dos  personagens mais comuns do cenário quotidiano cubano: o estudante. Camisa branca de mangas curtas, calças ou saias cáqui e o mar­cante lenço vermelho amarrado em nó na frente do peito.

A presença dos estudantes em toda parte, as escolas abertas em todos os cantos evidenciam a preocupação básica com a educação geral em Cuba. A Cuba revolucionária nasceu sob o signo da educação mediante uma campanha nacional de alfabetização lançada em março de 1959, dois meses após a vitória da Revolução. Em fins de 1961, ano do começo oficial da Campanha, já não se contavam mais analfabetos no país. Mas a educação de adultos seguiu sendo uma priorida­de. Em duas décadas que se seguiram à Campanha, estabeleceu-se por todo o arquipélago a Batalha pelo Sexto Grau (ou sexta série no sistema brasi­leiro). Com auxílio dos meios de comunicação de massa, dos sindica­tos, das ligas femininas e Centros de Defesa da Revolução (CDRs), a Bata­lha cumpriu sua meta básica de elevar o nível global de instrução em Cuba para a sexta série da escola de 1Q grau.

Esse esforço incluiu obviamente a produção de material didático que atendesse especificamente às necessi­dades desse projeto. O livro de leitura ‘ Leitura Camponesa’, reeditado muitas vezes nas décadas de 70 e 80, contém pequenos poemas, estórias, fragmen­tos literários e biografias com títulos como “A Mulher Cubana", “Momentos do Diário de Che" e “Versos Simples” (de José Marti).

Há no momento em Cuba prepa­rativos para o desencadeamento ple­no de uma nova ‘Batalha’ pelo 9a grau completo.

Desses dados educacionais nos interessava especificamente o movi­mento dentro da área de educação em língua estrangeira, de modo que os dados servissem como uma análise preliminar da situação cubana e para os primeiros contrastes com a política e tendências no Brasil na área de ensino de línguas.

Vejamos primeiramente o que dispõe o currículo das escolas comuns de Cuba quanto à presença de LE e sua carga horária por semana.

 

    5, 6  Primária

7, 8, 9  Secundária  Básica

10, 11, 12  Pré-Univ.

  Língua  Estrangeira

(3) (3)

3 3 2

2 2 2

A disciplina LE está presente em todo o percurso da escola, desde a 7a série, em algumas escolas, pelo menos duas vezes por semana em aulas de 45 minutos, sempre durante seis anos seguidos. O idioma estrangeiro está dentro dos 36,6% de tempo reservado para as ciências humanas contrastan­do com 39,2% das ciências naturais e matemáticas.

No ano de 1989, após um período de preparação pedagógica sistemática, será estendida à escola primária o ensino de LE a partir da 5a série. Por essa razão, houve uma indicativa firme de garantir excelência ao programa de formação de professores primários de LE, que se desenvolveu nas escolas pedagógicas (com status de faculda­de) no período de 1987-1988.

Até aqui, temos falado generica­mente em termos de LE, mas Cuba tem hoje uma opção única pelo ensino da língua inglesa nas escolas de todo o país. É bem verdade que em período anterior se experimentou o ensino de russo na escola pública, mas o esforço de formação de professores e a magnitude do desafio de ensinar uma língua tipologicamente distante do espanhol levaram as autoridades cubanas a restringirem o ensino de LE ao inglês. Não foi possível obter ne­nhum documento oficial que justifi­casse explicitamente essa escolha de língua para preencher a disciplina LEM. Nas escolas visitadas os profes­sores falaram no valor pragmático (ciência, comunicações internacio­nais, turismo) que esse idioma possui.

É possível estudar russo na escola secundária em algumas poucas insti­tuições de experimentação. Outras línguas, além do russo e do inglês, são estudadas em escolas de nível supe­rior e nos quase cem Centros de Lín­guas para Trabalhadores em todo o país. Nesses últimos, adultos que trabalham podem optar por estudar quaisquer das seis línguas oferecidas além do inglês e do russo: alemão, checo, chinês, italiano e português. Para ingressar nessas escolas, o traba­lhador precisa demonstrar haver con­cluído a 9a série, que é a meta nacional para toda a população nos dias de hoje.

Para conhecer de perto algumas das características do ensino de LE que se processa na escola cubana de hoje, houve uma visita demorada à Escola Vicente Ponce, no bairro residencial central de Vedado. A escola não tem aparência de haver sido construída para esse fim. Como muitas escolas cubanas, está acomodada no que parece haver sido um casarão da era pré-revolucionária. Como a grande maioria dos edifícios cubanos, o prédio parece cuidado e tem asseio, mas suas paredes não veem tinta há bem mais de uma década. Todo o mobiliário parece ter sido bastante usado e o aspecto geral é de uma escola convencional.

A professora de Língua Inglesa da escola informou que os seus alunos da Vicente Ponce iniciam o estudo dessa língua (a única estrangeira da escola) aos 12 anos, na sétima série. Por ini­ciativas recentes, na escola secun­dária básica, o professor deve priorizar o enfoque oral no 1Q semestre e o escrito no 2Q semestre. Na 8S série, a ênfase é na compreensão de lingua­gem oral e, na 9ª. série, o foco recai nos processos de composição escrita.

Esse sistema de ênfase deve ser revisto após a introdução provável, em 1989, de LE nas 5a e 6a séries da escola primária após a consolidação do processo de alfabetização. Quanto às características da abor­dagem de ensino preconizada pelas autoridades, o conteúdo curricular é o que mais chama a atenção do profis­sional visitante. Na 8a série, por exem­plo, anotamos os seguintes títulos de unidades:

  • El primer dia de classes (previ­são de 6 horas-aula)
  • El círculo infantil (6)
  • Preparemos el recibimiento a nuestros amigos soviéticos (6)
  • Ayudamos a mamá en la cocina (solo escritura) (2)
  • En el area deportiva (4)
  • Los abuelos en casa
  • Una fiesta en la escuela
  • Héroes revolucionários
  • Un viaje en tren
  • El diário de Sue: un dia en el den­tista (6)
  • La família Martins
  • De excursión (lectura)
  • En la tienda de ropa
  • Nuestra capital
  • Vamos a jugar balonpié
  • En fin de curso

A proposta curricular para a 9a série contém os seguintes títulos de unidades:

  • Mother needs help
  • No TV
  • An accident
  • Grandfather knows best
  • A big surprise
  • A small mistake
  • Water

Na unidade 1, introduzem-se os seguintes conteúdos programáticos:

  • Ias preposiciones on, in, at, under, in front of
  • vocabulário
  • elementos de pronunciación y entonación relacionados con el contenido
  • relación entre el fonema /t/ y las conbinaciones de la grafema ‘ch’

Na unidade 2 estão incluídas:

  • las oraciones afirmativas, nega­tivas e interrogativas con el verbo BE seguido de adjetivos
  • BE + adjetivos calificativos
  • vocabulário con énfasis especial en los adjetivos old, new, long 

Do livro didático da 9a série, Ia unidade, consta o seguinte fragmento de diálogo, que se inclui aqui para ilustração do tipo de textos utilizados:

Mother: Good.  Everything is in the refrigerator. You can prepare lunch now. Last night I did guard duty at the CDR (‘Comitê de defensa de la Revolución’) and today I am very tired. Please prepare something nice.  I’m very hungry.

Embora todo o currículo mostre evidências de utilização de elementos de vários métodos, tendência essa confirmada por outros profissionais cubanos, há uma clara opção por ensinar elementos formais estruturais. Isso obviamente contrasta com os rumos do ensino e pesquisa na área de ensino de LE nos centros europeus, brasileiros e norte-americanos, com ênfase estes no ensino humanístico- comunicativo.

Mas a escolha de tópicos e temas das unidades possui uma característica coerente com a vida pós-revolução e bastante distinta enquanto critério de seleção de tópicos para as amostras de LE. Trata-se da dimensão político-cultural de muitos dos textos, que em­presta um tom cubano contempo­râneo para as amostras de língua-alvo.

Nessa linha, tratam-se dos círculos infantis e centros de defesa da revolu­ção que promovem a reflexão ideoló­gica sobre os temas revolucionários. Prepara-se o aluno para receber os soviéticos (em inglês) e para falar sobre os heróis revolucionários na língua estrangeira. Introduzem-se tópicos de reeducação para os papéis masculinos e femininos em casa e para a compreensão dos avós. Tudo bem aninhado ainda numa estrutura de curso que se preocupa com pontos gramaticais. Esse traço vigoroso do ensino mais tradicional não se apagou nem com o ímpeto devastador da Revolução.

Essa herança gramaticalista, con­tudo, não tem imobilizado as inicia­tivas de avanço na área de ensino de línguas. Dentre as indicações gerais do ministro da educação, J. R. Fernandez, para o desenvolvimento do traba­lho educativo durante o ano escolar 1987-1988, consta a de fortalecer o trabalho do ensino de idiomas estran­geiros. Dentro dessa perspectiva recomenda-se que:

  • seja ampliada a extensão do ensino de línguas estrangeiras a alunos da escola média;
  • seja dada mais atenção ao traba­lho metodológico dos professo­res e, em especial, ao aperfeiçoamento do domínio desses idio­mas
  • seja prestada especial atenção ao plano de formação de professores primários de inglês nas escolas  pedagógicas a partir de 1988;
  • seja garantida nos institutos pedagógicos uma maior quali­dade na formação dos profes­sores de línguas estrangeiras;
  • seja estendido nas escolas de línguas do país o curso de leitura em inglês e em francês e espa­nhol como língua estrangeira. (Ministério da Educação de Cuba, 1988)

Em contraste com essas tendên­cias de crescimento de oferta e impor­tância das línguas estrangeiras, no Brasil, a situação permanece endemicamente estagnada ou degenerativa em várias decisões oficiais. No Estado de São Paulo, a secretaria da Educação promulgou a Resolução 01 de 07/01/ 85, que torna LE obrigatória em apenas 2 anos da escola de Ia grau, retirando-lhe, ao mesmo tempo, o status de disciplina promocional como as outras matérias do currículo oficial. Generaliza-se a apatia e um sentido de menos valia desmoralizante para o profissional do ensino de LE na rede pública de ensino.

Iniciativas que poderiam ser sau­dadas como alentadoras nesse cenário de crise, tal como a criação dos Cen­tros de Ensino de Língua em São Paulo e no Paraná, esbarram nas conveni­ências políticas de governantes sem a contribuição de professores espe­cialistas. Os materiais de ensino no Brasil, representados pelo livro didá­tico nacional de ensino de LE, na sua imensa variedade constituem um quadro pobre de inovações baseadas no conhecimento empírico e explícito sobre aprendizagem de outras lín­guas. Os conteúdos, diferentemente dos cubanos representados no livro único de iniciativa oficial, são flagran­temente alienantes e despreocupados com o mundo real das pessoas.

Quanto aos aspectos gramaticais, há, provavelmente, uma sensível con­vergência de preocupações em ambos os países, o que retrata possivelmente a força de nossa tradição clássico-humanista de apresentar sistematica­mente as noções gramaticais ao aluno. Persiste a crença de que um sistema potencial de formas gramaticais deve ser aprendido e deixado em estadolatente na esperança de que haja oportunidades de fazê-lo fluir quando apareçam as oportunidades de uso comunicativo real.

Na esteira das mudanças profun­das que se operam em Cuba, dentro do quadro educacional, permanece a conclusão de que o ensino de LE é atividade importante na reconstrução da nova nação cubana na medida em que prepara seus cidadãos para, na superação via LE, se encontrarem com outros povos do mundo. □

BIBLIOGRAFIA

  • ALMEIDA FILHO, J. C. P. et alli. A Representação do Processo de Aprenderno Livro Didático Nacional de Língua Estrangeira Moderna no Ia Grau. Mimeo, UNICAMP, 1989.
  • FERNANDEZ PERERA, R. et alli. La Batalha por el Sexto Grado. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1985.
  • GEROULD, L. & PRED, L. Language Instruction in Cuba, In: TesolNewsletter, v.XVII, n.6,1983.
  • Indicaciones Generales dei Ministro da Educación. In: Educación, n.66, Ministério de Educación: Havana, 1987.
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  • PANTANO FILHO, R. et alli. Quem Sabe Ensina; Quem não sabe, Aprende: A Educação em Cuba.Campinas: Papirus, 1986.

Nota:

Agradeço Olga P. Paes de Almeida pelo interesse constante e participação concreta no levantamento dos dados em Havana, sem os quais este estudo exploratório não teria sido possível.

Fonte primária do Artigo O Ensino de Língua Estrangeira em Cuba: Revista de Estudos Germânicos, UFMG: Belo Horizonte, V. 10, No. 1  p. 54-57 Dez. 1989