Ano 4 - Nº 4 - 1/2010

7. O Cisne e o Patinho: Esperança e Retrocesso Na História de um Centro Público de Línguas

Resumo
Este artigo registra a trajetória histórica e uma análise do funcionamento de um tipo raro de escola pública no Brasil. A maior parte dos institutos de idiomas no país pertence à iniciativa privada, mas na moderna Brasília um número de centros públicos de línguas foi criado logo após a fundação da nova capital brasileira no início dos anos 60.  Trata-se dos centros públicos de ensino de línguas denominados Centros Interescolares de Línguas (CIL). O estudo levanta avanços apresentados nesta instituição e ranços impregnados na estrutura do ensino de línguas cultivados nas políticas educacionais voltadas para o ensino de línguas implementadas no país. Finalmente, conclui-se que os CIL representam a esperança de uma política de ensino de línguas com qualidade desejável nos resultados alcançados ao longo de mais de 30 anos de história.

Palavras-chave: centro interescolar de línguas, CIL, história de escolas públicas de línguas

Abstract
This article registers the historical development and an analysis of an uncommon type of public language school in Brasil. Most of language institutes in the country are private initiatives charging for their courses, but in modern Brasília a number of public centers were created since its foundation in the 1960’s. The study we have conducted on one of such ‘language centers’ raises evidence for both advances  and setbacks in the policies and practices of such publicly funded centers in the nation’s capital. The negative features surveyed are here hipothesysed to be contaminated by policies directed to language teaching in the regular schools of the country. Finally, the conclusion is that these public language learning centers still bear a hope for quality language teaching policies in regular schools in the near future.

Key-words: interschool language centers, CIL, history of public language schools

Introdução

O artigo a seguir é resultado de um estudo qualitativo de base documental realizado em 2009[1]. O objetivo original do estudo era analisar políticas voltadas para um tipo de escola pública destinada exclusivamente ao ensino de línguas. Entretanto, os dados levantados se apresentaram muito ricos por disponibilizar uma gama importante de informações sobre a história dessas instituições denominadas CIL – Centros Interescolares de Línguas. O estudo fez um levantamento histórico de um desses Centros como registro da inovação na institucionalização do ensino de línguas no Distrito Federal.  Entendemos que é relevante efetuar um levantamento histórico de todos os CIL, entretanto este estudo abarca apenas um. Deixamos a indicação de que pesquisas futuras possam fazer levantamento semelhante de todos os outros CIL.

Realizamos um estudo de caso tomando como cenário de pesquisa um dos oito CIL hoje em funcionamento no Distrito Federal.  Os CIL se destacam como escolas pioneiras no cenário da educação brasileira como centros públicos de ensino de línguas considerando que essa atividade alojada em escolas próprias tem sido característica da iniciativa privada e não do poder público. A outra iniciativa de que temos notícia são os Centros de Ensino de Línguas criados desde 1985 por governos estaduais a partir de São Paulo. Esses centros não são escolas específicas de idiomas, mas oferta de línguas variadas no contraturno das escolas públicas selecionadas para esse fim.

Pelas características de concentração na oferta de uma diversidade de idiomas ao público, os CIL, objetos deste nosso estudo, acabam muitas vezes confundidos com centros privados, desvinculados da estrutura ou da rede pública de ensino da Secretaria de Estado de Educação. Um breve olhar sobre essas escolas levantam questionamentos que perpassam a qualidade da escola pública, pela implementação de políticas educacionais.

Consideramos relevante o estudo de caso aqui tratado por registrar no contexto de ensino de línguas, uma original e rara iniciativa de política pública no âmbito do ensino de línguas e por trazer dados contrastivos do funcionamento desses centros inovadores num primeiro momento após sua fundação com a realidade que vamos vivendo hoje (2011). Este é, portanto um estudo de caso típico da pesquisa qualitativa de tipo aplicado. Concordamos com Laville & Dionne (1999, p. 156) para quem o estudo de caso pode “ajudar a melhor compreender uma situação ou um fenômeno complexo, até mesmo um meio, uma época”.

Este artigo começa por urdir um breve relato de valor histórico que ilustra a possibilidade franca de que uma política pública de ensino de línguas pode produzir efeitos, ou pelo menos expectativas, há muito esperados pela nossa sociedade. O título do artigo faz uma alusão aos resultados que esses centros têm apresentado ao longo de sua história de mais de 35 anos e o contexto de suas práticas, de mecanicistas (Sant’Ana, 2005) a gramaticais comunicacionais e da formação menos que profissional dos professores de línguas (Almeida Filho, 1999) até a crescente onda de professores mestres iniciados também na pesquisa com implicações diretas nos e nas escolas públicas da região e do país, conforme registram diversos estudos (cf. Almeida Filho, 1999; Alvarenga, 1999; Cavalcanti, 1999; Freire, Abrahão & Barcelos, 2005).

Características do Estudo, Bases e Antecedentes

Para o levantamento dos dados, foram usados questionários, entrevistas e, principalmente, registros em documentos arquivados na escola. Assim, foi possível coletar informações sobre como a escola surgiu, contexto histórico (com indicação do contexto do ensino de línguas na época da origem da escola) e sobre como a escola atravessou mais de duas décadas de existência. Interessa, neste artigo, o registro histórico do CIL, que poderá ajudar a compor um mosaico mais abrangente de um registro histórico do ensino de línguas no Distrito Federal.

Preliminarmente, entendemos importante apontar um breve levantamento do contexto de políticas públicas que envolveu o momento dos primeiros anos do CIL em estudo. Como esses primeiros anos abarcam partes de duas décadas (final dos anos 1980 e início da década seguinte), será apresentado brevemente um levantamento bibliográfico sobre políticas públicas educacionais nesse período.

No Brasil, podem ser destacados dois momentos importantes, segundo Vianna e Unbehaum (2004), que marcam a análise de políticas educacionais através de documentos históricos. Para as autoras,

A década de 1980 é representativa, na história do Brasil, como o período de abertura democrática do país. O foco das mudanças que permearam o processo de redemocratização da sociedade brasileira foi a garantia dos direitos sociais e individuais e o marco definitivo desse processo, além das eleições diretas para a presidência da República, foi a elaboração da nova Constituição Federal. Esta é sem dúvida a Constituição que melhor refletiu e acolheu os anseios da população(...). (p.82)

A Constituição Federal, em seu art. 205, declara que a educação é um “direito de todos e dever do Estado e da família”, e vai além definindo que a educação deve visar ao pleno desenvolvimento e o preparo para o exercício da cidadania. Como podemos notar, o conceito de educação expresso no ordenamento jurídico brasileiro desde a carta magna é amplo e definido como direito fundamental.

Elas afirmam que nos anos 1990, entretanto, o que se seguiu foi a criação de um contexto de contradições.

o cenário pautado por demandas e negociações de direitos sociais sofre uma inflexão e cria-se uma contradição entre os objetivos de melhoria das condições de vida da população brasileira – previstos na Constituição de 1988 – e a adoção de reformas políticas de ajuste econômico. (p. 82)

As autoras prosseguem sua análise afirmando que a lógica que orientou a implantação de políticas sociais no Brasil na década de 1990 não seguiu aquela que orientou a elaboração da Constituição Federal na década anterior. Enquanto a Constituição garantiu conquistas de direitos sociais, as políticas foram adotadas sob uma ótica neoliberal. As perdas para a população foram graves, pois a reorientação das políticas públicas reduziu “questões políticas a problemas técnicos” (p. 83). Cabe observar o alerta de Dourado (2007), que afirma que a visão gerencialista (marca da filosofia neoliberal praticada em diferentes governos no Brasil) não atende as necessidades e o escopo abrangente da área educacional.

 Vianna e Unbehaum (idem) destacam a Lei de Diretrizes e Base (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (PCN) e o Plano Nacional de Educação (PNE) como exemplos de políticas desenvolvidas, sobretudo no governo Fernando Henrique, e que trouxeram marcas indeléveis que resultaram nessa contradição a partir da reorientação neoliberal. Frey (2000) também insinua as contradições quando afirma que a Constituição Federal garantiu uma visão ampla de educação. Entretanto, nos anos 1990, a matriz político-ideológica de implementação das políticas educacionais buscava “introjetar na esfera pública as noções de eficiência, produtividade e racionalidade inerentes à lógica capitalista” (Oliveira, 2000 apud Dourado, 2007, p. 296).

No ensino de línguas, o rumo não foi diferente. Para Paiva, citada por Mascarenhas (2005, p. 170), os PCN “acomoda(m)-se diante da ineficiência do sistema educacional no país e propõe que o ensino de LE seja adaptado às condições existentes”. Sob o pretexto de que “somente uma pequena parcela da população tem a oportunidade de usar línguas estrangeiras como instrumento de comunicação oral” (PCN, 1998, p. 20), o documento reduz a concepção de língua a uma ferramenta pragmática e com um propósito utilitário, conforme afirma Mascarenhas (2005). Acrescentamos que esse propósito utilitário tem estreita relação com o interesse educativo neoliberal de formação de consumidores e mão de obra barata.

É no quadro contextual levantado acima que aninhamos o conceito de políticas públicas, pois, conforme sugere Dourado (2007), as políticas públicas ocorrem sempre em um dado cenário e, como podemos depreender, depende de uma orientação político-ideológica. Além disso, as políticas públicas se referem à dimensão material de todo um processo e um sistema político “isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas” (Frey, 2000, p. 217). Nesse contexto histórico e político, surge a unidade do CIL-Ceilândia em que foram levantados os dados.

Origem e contexto

Nesta seção, serão apresentados depoimentos de dois participantes fundadores do CIL que é objeto do nosso estudo. As citações foram retiradas de entrevistas e cruzadas com questionários e registros arquivados na secretaria da escola desde a fundação. Para facilitar o acompanhamento das falas, chamamos um sujeito de LU e o outro de JERI.

Historicamente, os CILs surgiram de iniciativas isoladas (cf. Faustino, 1995; Oliveira, 2007). Ora pessoas lutaram pela implantação da instituição, ora grupos de professores se uniram para estabelecer um novo centro de línguas.  É relevante observar que, à exceção do primeiro CIL[2] (CIL 1 de Brasília, fundado em 1975, segundo Faustino, 1995), a inauguração das  instituições públicas de ensino de línguas coincidem com a reabertura democrática do país, a partir de 1985, e do tratamento dado à educação como direito, notadamente na Constituição Federal de 1988.  A unidade CIL em estudo foi inaugurada em 1985 e os demais seguiram em sequência cronológica até atingirem o número de oito em sete regiões administrativas do Distrito Federal (as Regiões Administrativas correspondem a cidades satélites, na periferia de Brasília). Em outras palavras, as bases históricas dos CILs no DF estão associadas à redemocratização da educação, sempre vinculadas a uma trajetória de luta popular.

A propósito das observações no parágrafo anterior, duas considerações devem ser feitas sobre a abertura dessas instituições antes de continuarmos. A primeira é que essas escolas não são fruto de planejamento governamental ou de uma política pública preocupada com democratização de acesso ao ensino de língua ou com a melhoria de qualidade no sistema público de ensino. São escolas que se mantiveram, até certo ponto, à parte da tutela (portanto, do controle) e do cuidado (portanto, do suporte) governamentais. A segunda, é que, como será observado com mais detalhes, essas escolas mantiveram uma estrutura e seguiram um modelo de base privada. Do ponto de vista histórico, esse segundo tópico é mais relevante para o foco deste artigo.

O CIL que investigamos foi fundado oficialmente em 1985 , surgindo num contexto em que o acesso ao ensino de língua era restrito a classes sócio-econômicas mais altas no DF que podiam pagar por um curso privado geralmente oneroso demais para as camadas em ascensão.  A fala de um dos sujeitos pesquisados (co-fundador do CIL) reforça esse argumento:

JERI – (...) Por que na época o componente curricular LEM era acessível a pouca gente, por que existiam poucos cursos e cursos caros. A gente conseguiu colocar na cabeça da população, através de visitas às escolas que todos teriam a mesma possibilidade que o Plano Piloto (área central do projeto de fundação de Brasília). À medida que avançávamos com os níveis, eles viram que era possível mesmo.

A escola estudada começou como um projeto desenvolvido, inicialmente, por três professores de inglês em uma escola de ensino médio (à época, Centro Educacional) da cidade.  O primeiro grupo de alunos do projeto começou a estudar em 1983 em uma sala de aula da escola. Os três professores de inglês se revezavam na oferta às turmas formadas.  Após alguns resultados animadores, segundo relata o entrevistado, em 1985 o grupo conseguiu autorização da Diretoria Regional de Ensino para ocupar uma parte de outra escola (em que funcionava a Escola Normal) para montar a estrutura do CIL.

No mesmo ano, ao grupo original, juntaram-se professores de francês e espanhol. Estava formado o núcleo duro para a inauguração da escola conforme registra um outro declarante entrevistado.

LU – Eu trabalhei em direção desde a fundação. Sempre com uma função na direção. Em 1985, nós trabalhamos com um projeto experimental. O projeto começou no CEM 03. A diretora permitiu que fizéssemos um experimento na escola. Os professores que tinham ‘janela’ – eu, o Jeri e o Demé – oferecemos uma turma de alunos do CEM 03. Cada dia ministrava aula um professor diferente. O Demé demonstrou que nós tínhamos um resultado bom. A esposa do Jeri trabalhava no Complexo e ela nos ajudou. Ela conseguiu três salas na Escola Normal. Cada professor dava aula no seu horário vago. Nas três salas de manhã eu e o Jeri dávamos aulas. O Demé promovia reuniões com professores de inglês que eram convidados por Complexo. Assim ele descobriu os professores de outras línguas como o Wali.  À tarde era um professor de inglês e o professor Romi. A princípio, o CILC foi criado com as duas línguas: inglês e francês. Nós ficamos 1 ano na Escola Normal. O projeto aconteceu em 1984 no CEM 03. A Lena começou em 1985. Ela foi a primeira professora de espanhol. Me parece que o espanhol começou no segundo semestre de 1985. Em 1986, nós descemos para um bloco especialmente construído para o CIL. Trabalhamos um ano sem nomeação. O Demé era o diretor, eu era uma coordenadora pedagógica, o Jeri era um coordenador pedagógico.  Não havia vice, mas tudo funcionou informalmente. Nós não tínhamos um servidor por que nós não éramos uma escola. Então, nós tínhamos de limpar o banheiro, varrer as salas. Nós levávamos nosso gravador para a escola. Não tínhamos verba. Começamos a vender livros e com a participação da D. Sofia (gerente da Só Livros)... ela repassava 20% para nós e assim fomos comprando coisas para a escola. Como conseguimos nossos primeiros alunos? O Demé visitava as escolas todo início... ele fazia sempre o externo e eu trabalhava as rotinas.

Segundo confirma o relato do outro sujeito pesquisado, o apoio da Secretaria de Educação consistia na autorização dada a esses professores para levar a instituição à frente. Entretanto, faltavam servidores para apoiar as atividades da escola e que a experiência foi possível pelo apoio da esposa, que trabalhava no órgão hierárquico superior.

JERI – No marco zero, essa experiência só foi possível por que minha esposa era chefe do comando de reparos do Complexo C. Nós tínhamos contatos com a Diretora do Complexo. Nós discutíamos sobre o ensino de LEM que não funcionava. Eu e o Demé trabalhávamos no CEM 03.

Tanto na fala de JERI quanto na de LU, observa-se um distanciamento ou desinteresse oficial da Secretaria de Educação na formação desses CIL. Isso reforça a ideia de que o CIL não surge de uma política pública:

Eu acho que eles deixaram a gente iniciar pensando que não ia pra frente. Eles acharam que não ia dar certo. Eles nos viam com indiferença. Eles achavam que não íamos montar um CIL tendo como modelo o CIL do plano. Ter, em Ceilândia, um Centro de Línguas com padrão do CIL do Plano, tinha  a descrença deles mas era o que nos motivava. Nós provamos pra todo mundo que era possível.

E acrescenta, ao comparar o início do CIL com o contexto atual (então, 2009).

Hoje, é outra realidade. A principal diferença que vejo é que o CIL, como não foi fruto de política pública, foi uma realização própria que nasceu e cresceu dentro da Secretaria sem ter sido por ela gerado. Nós crescemos ao sabor do sucesso.

Isto é, se a escola não tivesse produzido resultados positivos (‘nós crescemos ao sabor do sucesso’), essas escolas não teriam tido uma história longa.

Pudemos entrever, nas revelações dos sujeitos, uma importante razão para que os CIL fossem formados. Ela consistiu na falta de condições adequadas de trabalho para o ensino de línguas e essa experiência desafiava, segundo JERI, os pioneiros a ensinar língua estrangeira buscando os resultados que desejavam. Essa situação ainda pode ser observada nas salas de aulas atualmente: grande número de alunos por sala, carga horária inadequada, falta de materiais ou acesso a pouco material didático.

Os CIL surgiram da falta de boas condições da educação. Tudo surgiu disso: não funcionamento das escolas, falta de equipamento, número muito grande de alunos por sala. A LEM era vista como algo sem muita importância. Não deveria reprovar ninguém. Os professores vinham com a visão da organização da escola particular (vinham da Casa Thomas Jefferson e outras).

Além do descrédito já apontado por JERI, o professor de línguas não gozava de prestígio (ou mesmo autoridade) diante de colegas que frequentavam as mesmas salas com maior frequência. Esse quadro também é registrado em pesquisas efetuadas mais recentemente (Mascarenhas, 2005; Sant’Ana, 2005; Moura, 2005).

O funcionamento do CIL não tinha parâmetros de uma estrutura pública de ensino de línguas. Assim, a influência da escola privada foi evidente no âmbito pedagógico e na gestão da escola.

JERI – Na minha gestão foi o período que menos tínhamos o regime de intercomplementaridade. Ou seja, eram alunos da rede e na maioria eram alunos da comunidade, principalmente no noturno. O curso na minha época era bem parecido com os da rede privada. Níveis bem estabelecidos, método – livro didático tido como comunicativo. Nossa ideia era que o aluno falasse. Que os professores primassem pela parte oral. Funcionava sempre bem organizado. Muitos professores não gostavam do sistema fechado. Tentávamos convencê-los de que deveria ser assim. A APAM nos permitia organizar bem a escola. A gente parecia a escola “mais moderninha” da região.

O financiamento da escola também não tinha bases públicas. A APAM (Associação de Pais Alunos e Mestres) é uma entidade privada sem fins lucrativos que arrecadava fundos para financiar os projetos e a estrutura da escola. Esse fato levantava desconforto dentro da própria Secretaria e criava uma situação contraditória na rede pública de ensino.

Eu sempre notava divergências. Algumas pessoas pareciam que gostavam. Outras não. Talvez porque saíamos das regras. Alguns diziam que vivíamos na “ilha da fantasia” por que a APAM funcionava. Isso provocava ciúmes ou incompreensão. Algumas vezes a Fundação (Secretaria de Educação) nos via como algo bom, um projeto de sucesso. Enquanto outros nos viam não com bons olhos.

O resultado é que os Centros de Línguas construíram uma trajetória histórica controversa. Escolas públicas, funcionavam em moldes privados.

JERI – Eles tinham um pouco de orgulho de que a gente dava certo, mas a gente saía um pouco do eixo. O diretor Adalberto, uma vez falou que nós estávamos muito fora, pois parecia escola particular.

LU confirma:

LU – A Secretaria construiu um bloco no antigo CEd. 04. Não era um bloco para o CIL, mas serviu pra gente. Não houve nenhum tipo de investimento, fora isso. Desde o início foi a APAM que possibilitou qualquer equipamento para o CIL.

Tanto do ponto de vista da estrutura quanto do funcionamento pedagógico, os CIL seguiram um modelo corrente na época de sua inauguração e deixou marcas no funcionamento dessas escolas que ainda persistem atualmente. A divisão dos cursos por nível, o uso de certos materiais pedagógicos. O áudio-lingualismo dominante nas escolas particulares acompanhou a estruturação e o desenvolvimento dos CIL. O questionário respondido por JERI e LU evidencia essa trajetória.

Questionário JERI:

Qual era a metodologia utilizada?

Os livros utilizados na minha gestão foram os seguintes: “New English for a changing world”, Spectrum e New Interchange. Usávamos o livro didático como orientador do curso e acrescentávamos atividades diversas para complementar o curso: vídeo, música, livros literários e outros.

Questionário LU:

Qual era a metodologia utilizada?

Utilizávamos, em todos os níveis, o livro chamado “Spectrum”. Creio que era comunicativo. Tentando abarcar as quatro habilidades da língua._

A divisão do curso era em níveis, o desenvolvimento de habilidades, a adoção de um livro como a espinha dorsal para muitos expara muitos exercícios de fixação de padrões retirados de diálogos são características do método áudio-lingual e que, curiosamente, ao longo de mais de quase vinte anos, não apresentaram variação significativa no CIL estudado.

Concluindo

O ensino de línguas nos CIL deve ser observado como um fenômeno na conjuntura da educação brasileira. Nesse sentido, ressalte-se que ele sofre das mesmas mazelas em que está atolada a Educação: falta de planejamento, condições inadequadas, políticas insatisfatórias (ou ausência delas), profissionais insatisfeitos, resultados preocupantes. A falta de políticas públicas nesse setor demonstra que é preciso vontade política para que o ensino de línguas apresente resultados mais desejados. Nesse contexto, os CIL surgem como uma alternativa para o ensino público de línguas e revelam que sem forte investimento político e financeiro será difícil mudar o quadro atual.

De um certo modo, podemos considerar que os CILs nascem de uma política pública informal, na medida em que essas políticas surgem de “demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior” (Cunha & Cunha, apud AHLERT, 2004) e da necessidade dos atores diretamente envolvidos pela profissão ou pela necessidade de um serviço público que o estado não atende a contento, a saber, uma estrutura insuficiente para que se oferte ensino de línguas com qualidade.

No campo social, os CILs representam para os moradores de cidades satélites uma grande oportunidade de ascensão social no coração da República. Ao dominarem uma língua estrangeira, os alunos ganham um instrumento poderoso para se colocarem no exigente mundo do trabalho e da burocracia federal ou para conseguirem melhorar sua condição profissional em empregos públicos ou privados. Mas mais importante do que isso, nos CILs, levanta-se a possibilidade cada vez mais próxima de uma formação mais integral do aluno como cidadão por meio do ensino de cultura na consciência da linguagem e das identidades postas à prova na aquisição de novas línguas.  Esses Centros demonstram, enfim, que é possível construir uma escola pública voltada para a educação em língua estrangeira (e totalmente financiada por verba pública), democrática e de qualidade.

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[1]
DE CISNE A PATINHO FEIO: a trajetória política de uma escola através de gestão de políticas educacionais (não) voltadas para CIL/DF. Monografia. FE, UnB. 2009.

[2] Para um pequeno histórico do CIL, recomendamos a leitura do capítulo 2 da dissertação de Faustino (1995).