Ano 4 - Nº 4 - 1/2010

3. A Emergência da Especialidade de Ensino de Português para Hispanofalantes no Brasil

RESUMO:
Nos últimos tempos, para causa das relações comerciais entre os países que pertencem ao MERCOSUL, a necessidade de um intercâmbio lingüístico aumentou entre o Brasil e os países falantes de espanhol. Consequentemente, a demanda por pesquisas no campo de ensino de português para hispanofalantes, bem como estudos sobre a proximidade entre as duas línguas cresceram. Este artigo visou a realizar uma revisão dos estudos relacionados a essa área, por meio da análise documental com o objetivo de provocar reflexão e sugerir novas pesquisas que ajudem a aperfeiçoar o ensino de português como língua estrangeira para hispanofalantes em contexto de imersão, assim como estreitar o intercâmbio cultural entre os países falantes das duas línguas.

Palavras-chave: ensino de português para hispanofalantes; pesquisas em ensino e aprendizagem de português; interlíngua

ABSTRACT:
Commercial relationship among the countries that are members of MERCOSUL increased the need for a language interchange between Brazil and the Spanish speaking countries in South America. Consequently, demands for research on Portuguese teaching for Spanish speakers, as well as studies on the proximity between the two languages also raised. This paper aims at analyzing documents and papers on this field to incite reflection and suggest new studies in order to improve the Portuguese teaching for Spanish speakers in immersion context, besides narrowing the cultural interchange among the Portuguese and Spanish speaking countries.

Keywords: Portuguese teaching for Spanish Speakers; Research on Teaching/Learning Portuguese; Interlanguage

 

 

1-Introdução

No contexto do MERCOSUL, com a finalidade de estabelecer relações econômicas, políticas e culturais entre os países do continente latino-americano, o português e o espanhol adquiriram status de línguas oficiais de comunicação das nações envolvidas no Tratado. Por tal motivo, o ensino das duas línguas começou a ser levado a sério. O “portunhol” já não se sustenta mais nem “para a comunicação oral [nem] para o uso de documentos oficiais e comerciais” (FERREIRA, 2002, p. 141). Tanto no Brasil quanto no exterior, o ensino formal de Português Língua Estrangeira ou L2 tem alcançado um crescimento relevante, sobretudo a partir da demanda de hispanofalantes, que constitui o grupo mais numeroso de aprendizes interessados em aprender essa língua (ALMEIDA FILHO, 2001, p.13), ora pertencentes à comunidade diplomática ou moradores radicados no Brasil, ora alunos em programas de intercâmbio ou pessoas com vínculo empregatício temporário.

Júdice (2002, p. 38) nos informa que, com a consciência da necessidade de ensinar Português a Falantes de Espanhol (PFE), a fim de promover o intercâmbio com os vizinhos do continente sul-americano, criou-se, em 1985, a área do ensino da língua e da cultura do Brasil para hispanofalantes na Universidade Federal Fluminense (UFF). A Universidade de Brasília (UnB) também é pioneira na institucionalização do ensino-aprendizagem de PFE, ao estabelecer em 1989 a primeira turma de português para hispanofalantes (SANTOS, 2010) [1]. Existem outras instituições do país, como a PUC-SP, a PUC-RJ e a Universidade Estadual de Campinas, onde também se desenvolve esse ensino. Indicar com exatidão o momento inicial do ensino de PFE no Brasil resulta em uma tarefa difícil devido à escassez de pesquisas e dados de caráter histórico sobre a evolução da área. O material didático Português para Falantes de Espanhol (Edição Experimental), da autoria de Leonor C. Lombello e Marisa Baleeiro, elaborado em 1983, na UNICAMP, revela que desde essa data já existia um público hispanofalante que procurava aprender a língua portuguesa, assim como a preocupação dos pesquisadores e professores em diferenciar o ensino de português para hispanofalantes daquele voltado para estrangeiros em geral.

Passada mais de uma década, agora dentro de um cenário de expansão do ensino de Português a falantes do Espanhol nas Américas, a delicada questão do claro-escuro e das diferenças matizantes entre as duas línguas está de volta levantando novas perguntas desta época. (ALMEIDA FILHO, 2001, p. 9).

Pelo fato das duas línguas serem tão próximas tipologicamente, o Espanhol “faz uma interface sui generis com o Português” (ALMEIDA FILHO, 2001, p.13). Esta semelhança, longe de permitir uma aprendizagem mais fácil e acelerada (o que realmente acontece num estágio inicial), coloca o aprendiz num terreno “enganoso” e “movediço”, que acarreta, na maioria dos casos, a instalação de uma interlíngua, conhecida como “portunhol”, caracterizada por transferências negativas e a fossilização de elementos lingüísticos (FERREIRA, 2002, p. 142). Perante esta realidade, nos últimos tempos, os estudos sobre os fenômenos decorrentes desta proximidade têm ganhado força no bojo das pesquisas sobre o ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras.

Neste trabalho, que é resultado de uma pesquisa documental, apresentamos um levantamento de textos acadêmicos (artigos de revistas e livros, capítulos de livros e livros) que abordam a temática do ensino-aprendizagem de português L2 para hispanofalantes no Brasil, em contexto de imersão, produzidos entre 1989 e 2010. Conforme Ludke e André (1986), a pesquisa documental é uma técnica exploratória realizada a partir da análise de documentos de diversas origens, e “pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema” (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 38).

Embora existam trabalhos de datas anteriores como os de Lombello [2] e Lombello, EL-Dash e Baleeiro [3], ambos de 1983, é a partir de 1989 que se verifica um maior desenvolvimento e difusão das pesquisas relacionadas ao ensino-aprendizagem do português como língua estrangeira. O objetivo derealizar uma revisão dos estudos relacionados a essa áreapermitiu o estabelecimento de outros específicos tais como indicaros tópicos tratados e, a partir dessa constatação, propor novos rumos para futuras pesquisas, a fim de facilitar a prática dos professores de línguas tão próximas, preencher as lacunas de temas ainda por pesquisar e contribuir para o desenvolvimento da área de PFE no âmbito brasileiro. Existem interessantes e reveladores estudos realizados com sujeitos hispanofalantes fora do Brasil, mas que fogem do escopo desta pesquisa e por esse motivo foi necessário desconsiderá-los, assim como outros que, por limitações de espaço e tempo, revelaram-se de difícil acesso, mas que no percurso da pesquisa serão mencionados. Os trabalhos apresentados foram organizados cronológica e alfabeticamente.

 

2-Corpus de textos que abordam o ensino de PFE no Brasil

O corpus da pesquisa abrangeu cinco revistas brasileiras – Trabalhos em Linguística Aplicada, Horizontes de Linguística Aplicada, Linguagem & Ensino, Revista Brasileira de Linguística Aplicada e Desempenho,assim como 12 livros.

O artigo de Patrocínio e Colin Rodea, que aparece na revista Trabalhos em Linguística Aplicada de 1990, oferece uma proposta alternativa para conduzir o processo de ensino-aprendizagem de português para hispanofalantes em contexto de imersão. No momento de divulgada, a proposta ainda estava numa fase inicial, sem ser levada à prática.

Rottava, no n. 2 da revista Horizontes de Linguística Aplicada de 2003, comenta os resultados obtidos depois de implementar uma proposta de ensino da leitura e a escrita, como processos inter-relacionados, em sala de aula de ensino de PL2 para hispanofalantes, em contexto de imersão.

Os “Ecos do Celpe-Bras na aprendizagem do português por hispanofalantes” são as contribuições do estudo de Ferreira publicado da revista Horizontes de 2005. Nele a autora reconhece o efeito retroativo benéfico do exame Celpe-Bras para o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, resultado da ênfase numa abordagem comunicativa.

As outras revistas pesquisadas no período compreendido entre 1989 e 2010 não têm publicado estudos relacionados com o ensino-aprendizagem de português para e por hispanofalantes. Porém, os artigos de livros analisados revelam uma variedade maior de tópicos desenvolvidos assim como um aumento no número de trabalhos apresentados.

Na coletânea de 1992, organizada por Almeida Filho e Lombello, Colín Rodea discute no seu artigo o papel do discurso oral no processo de aprendizagem de português por hispanofalantes em sala de aula; espaço privilegiado, segundo a pesquisadora, tanto para estudar os fenômenos de aquisição/aprendizagem de línguas quanto para promover o discurso oral (1992, p. 77-78).

O estudo de Ferreira (1997), incluído por Almeida Filho em seu livro Parâmetros atuais para o ensino de português língua estrangeira, examina a questão da interface entre o português o espanhol, enfatiza anecessidade de levar em conta as diferenças entre essas duas línguas no processo de ensino-aprendizagem de PFE e analisa os fenômenos de interlíngua e fossilização, decorrentes dessa proximidade.

A antologia Para acabar de vez com Tordesilhas (1998), coordenada por Pinto e Júdice, reúne trabalhos apresentados por pesquisadores da Associação de Professores de Português (APP) e da Sociedade Internacional de Português-Língua Estrangeira (SIPLE), dos quais têm alguns que versam sobre o ensino de português a hispanofalantes.

Leiria (1998) aborda, de forma geral, variados aspectos tais como o condicionamento psicolingüístico dos hispanofalantes na aprendizagem do português, as vantagens do léxico em comum que apresentam as duas línguas que permite uma rápida compreensão, e, por fim, defende a idéia de pôr em prática uma metodologia de ensino que leve em conta a proximidade entre as duas línguas, assim como os aspectos comuns que apresentam e que permitem uma maior comunicação; contudo, a especificidade desta proposta radica em que se deve priorizar a recepção antes da produção, para o aprendiz poder produzir um discurso mais próximo da língua-alvo, uma vez assimiladas as particularidades fonológicas e fonéticas da língua portuguesa.

Amarante (1998) considera no seu estudo que, embora seja nos níveis léxico e morfológico onde o português e o espanhol compartam pontos de maior contato, o tópico do ensino do léxico português para hispanofalantes tem recebido pouca atenção. Para contribuir com este ensino, esse autor esboça uma proposta baseada na “morfologia derivacional”, desenvolvida no Brasil por Basílio (1980).

Por sua vez, artigo de Ortiz Álvarez promove um diálogo acalorado sobre as expressões idiomáticas, sua pertença ou não ao léxico de uma língua e seu valor como depositárias da cultura de uma determinada comunidade. Alem do mais, restitui seu valor ao inseri-las numa inovadora proposta de exercícios que permite ao aprendiz ter um momento de “reflexão sobre aspectos sócio-culturais relacionados à língua que está sendo ensinada/aprendida e ao país onde ela é falada”. (ORTIZ ÁLVAREZ, 1998, p.107) Por fim, Turazza (1998), no seu artigo “O léxico em línguas de interface: dificuldades de aquisição de vocabulário” aborda um tópico pouco estudado, o ensino e a aquisição do léxico do português em contexto formal de ensino, desde uma perspectiva intercultural.

Na coletânea Português para estrangeiros interface com o espanhol, preparada por Almeida Filho em 1995 e editada por segunda vez em 2001, foram selecionados cinco artigos que focalizam o assunto do ensino de PFE. Almeida Filho propõe uma metodologia com especificidades para o ensino de línguas tão próximas como o português e o espanhol, que leve em conta a “facilidade enganosa” que subjaz aos aprendizes hispanofalantes nos primeiros momentos de aprendizagem. Ferreira apresenta um estudo da interlíngua de hispanofalantes aprendizes de português, denominada “portunhol”, desde a óptica da análise contrastiva. Por sua vez, as pesquisadoras Patrocínio e Bizon (2001) optam pela sala de aula para verificar o trabalho de uma professora de PFE. Essa revisitação da mesma profissional, quatro anos depois, objetivou constatar a persistência ou mudança da abordagem utilizada por esta após entrar em contato com estudos teóricos sobre métodos e abordagens de ensino de línguas estrangeiras. Um breve histórico sobre o exame Celpe-Bras, suas características gerais, implantação no contexto do Mercosul e conceito de proficiência comunicativa atrelado a este são questões levantadas por Scaramucci, quem ainda aponta, de forma bastante clara, o efeito retroativo do exame para o ensino de PLE a partir de dados coletados em uma das pré-testagens do exame. Por fim, Van de Wiel (2001) mostra uma análise contrastiva dos tempos verbais pretérito perfeito e pretérito imperfeito no eixo português-espanhol/português-inglês.

Grannier, na seleta de Júdice de 2002, recomenda uma metodologia denominada “proposta heterodoxa”, baseada numa análise contrastiva que permita desenvolver o processo de ensino-aprendizagem de português para falantes de espanhol, levando em conta as diferenças entre essas línguas próximas. Por sua vez, Júdice (2002) contribui com um artigo que oferece um breve histórico sobre a institucionalização do ensino da língua e cultura portuguesas para hispanofalantes na Universidade Federal Fluminense, e apresenta as diretrizes gerais dos cursos, as motivações dos alunos que procuram cursos de português assim como aquelas questões emergentes do contato do aprendiz hispanofalante com o português nos níveis léxico, morfossintático e fonológico.

A análise da produção oral de hispanofalantes aprendizes de português na UFRJ constitui o objetivo central do artigo de Freitas (2004), que apresenta um estudo contrastivo no nível fonético-fonológico entre português e espanhol.

Dentre os artigos reunidos na compilação organizada por Antonio Simões, Ana Maria Carvalho e Lyris Wiedemann (2004), por ocasião do I Symposium on the Teaching of Portuguese for Spanish Speakers, realizado na Universidade de Arizona, EUA, em 2003, selecionamos três estudos que contribuem para o desenvolvimento da área de PFE e que evidenciam que a questão da interlíngua resultante da proximidade do português e do espanhol continua suscitando novos olhares por parte dos pesquisadores.

Almeida Filho (2004) focaliza seu estudo na interlíngua resultante da interface do espanhol no aprendizado de português por parte de falantes nativos de espanhol nas variantes americanas, bilíngües espanhol-inglês e falantes nativos do inglês com experiência de aprendizagem formal de espanhol. Além do mais, indicaalgumas soluções desde o ponto de vista da abordagem comunicativa para superar os erros surgidos do contato entre essa duas línguas muito próximas.

O artigo de Grannier (2004) versa sobre as dificuldades que aparecem na comunicação pelo fato de o falante de espanhol não distinguir entre vogais médias fechadas e abertas do português, situação que pode ser atenuada a partir de atividades sugeridas em sua “proposta heterodoxa”. Finalmente, Scaramucci e Rodrigues (2004) oferecem uma breve descrição de aspectos relacionados ao exame Celpe-Bras: conceito e níveis de proficiência, fundamento teórico que sustenta a aplicação do exame e procedimentos de correção. Após a análise de amostras do desempenho de candidatos hispanofalantes, levantam questões relacionadas à compreensão oral e escrita e à produção escrita de candidatos hispanofalantes e manifestam as implicações do exame para o ensino e avaliação em PFE.

Continuação da anterior e desta vez organizada por Lyris Wiedemann e Matilde V. R. Scaramucci (2008), a coletânea a seguir reúne a maioria dos trabalhos apresentados no II Symposium on Portuguese for Spanish Speakers: Acquisition and Teaching, realizado em 2006 na universidade de Stanford, EUA. Dentre esses destacam os trabalhos de Carvalho, Colín Rodea e Scaramucci. No primeiro, a autora analisa as atitudes linguísticas, sociais e culturais de representantes da comunidade do Rio de Janeiro em relação às variantes de português produzidas por hispanofalantes. Embora o “portunhol” articulado por hispanofalantes radicados no Rio não seja avaliado de forma negativa, os participantes da pesquisa coincidem em “associar níveis de proficiência mais avançados a postos mais importantes” no mercado de trabalho. (WIEDEMANN, 2008, p. 24). Colin Rodea (2008) revela como os diferentes estilos discursivos articulados por alunos de diversas nacionalidades, mas todos falantes de espanhol, e pelo professor, para se comunicar em sala de aula ocasionam mal-entendidos na maioria das vezes.

A partir dessa constatação sugere que se deve levar em conta a variação cultural, que se dá de forma imperceptível, no processo de ensino de uma língua estrangeira. Já no último artigo, Scaramucci (2008) retoma o tópico do Celpe-Bras, único exame de proficiência do Português de validez internacional. Desta vez, abordaa percepção dos candidatos hispanofalantes e dos professores da influencia do exame na sua preparação e no processo de ensino, assim como o efeito retroativo positivo do Celpe-Bras no processo de ensino-aprendizagem de português para e por hispanofalantes.

Em relação aos capítulos de livros, contamos com o estudo de Santos, incluído num volume organizado por Maria Jandyra Cunha e a própria Percília Santos (1999). O estudo propõe umaabordagem metodológica que leve em conta a proximidade português-espanhol, a fim de evitar a fossilização e a interlíngua em hispanofalantes.

Mais dois capítulos são apresentados em outra coletânea preparada pelas mesmas pesquisadoras em 2002. Nesses estudos, as autoras evidenciam sua preocupação com o ensino de línguas próximas e apontam novas rotas para conduzir o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula de PFE.Ferreira oferece um estudo dos falsos cognatos, os quais constituem, segundo a pesquisadora, uma das fases da interlíngua do aprendiz hispanofalante de português (FERREIRA, 2002, p. 142-143), e destaca a necessidade de delimitar as fronteiras entre as duas línguas no âmbito lexical, a fim de evitar a fossilização prematura ocasionada pelas transferências negativas do espanhol para o português.

Por sua vez, Ortiz Álvarez argumentaa idéia de inserir a cultura em sala de aula de PFE atraves dos fraseologismos. Para atingir esse fim, propõe exercícios com expressões idiomáticas, consciente de que dominar essa competência sócio-cultural permitirá ao aprendiz, num ambiente de respeito da identidade do outro, “sensibilizar-se com as convenções do uso da língua do parceiro [...] alcançar a habilidade de interpretar referencias culturais e figuras da linguagem que são normalmente incorporadas ao léxico dessa língua [e] o entendimento das crenças, dos valores, dos tabus, dos valores da comunidade-alvo”. (ORTIZ ÁLVAREZ, 2002, p. 168)

No tocante à pesquisa de livros, só um material foi encontrado: Português Español. Aspectos comparativos, de Célia Siqueira de Marrone (2005). Merece especial atenção por constituir um abrangente estudo contrastivo nos níveis léxico, morfológico e sintático entre português e espanhol. A autora examina aspectos tais como os sistemas vocálico e consonântico; ditongos e hiatos; dígrafos; divergências heterossilábicas, heteroprosódicas, heterogenéricas e heterossemânticas; sistema verbal; afixos; artigos; pronomes; preposições; conjunções, e ao final de cada capítulo, oferece um amplo glossário de palavras que apresentam os fenômenos lingüísticos estudados.

Ainda existem alguns textos que falam sobre o ensino de português para falantes de espanhol, com ênfase na habilidade da escrita, mas não nos foi possível encontrar, entre os quais cito: Cariello (2002). Escrita e autonomia: o problema das interferências na escrita de futuros professores de português, e Trouche (2002). Dimensão discursiva no ensino de PLE-estudo comparativo entre textos de falantes de português e espanhol. Tais trabalhos aparecem na coletânea organizada por Norimar Júdice: Portugues/língua estrangeira: leitura, produção e avaliação de textos, 2002.  

 

3-Novos rumos

De forma sucinta expomos alguns dos temas de escassas pesquisas e outros que ainda necessitam de estudo. Formação de professores, planejamento de cursos, materiais didáticos e instrumentos de avaliação são tópicos que têm ficado um tanto esquecidos, embora sejam de grande valia para o processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Nos níveis morfossintático e lexical, podem-se desenvolver estudos que levem em conta os falsos cognatos, as expressões idiomáticas, os tempos verbais (infinitivo pessoal, inexistente em espanhol; subjuntivo presente, passado e futuro) e seus aspectos modais (gênero e número), a regência verbal, os elementos de relação (preposições, conjunções, advérbios, locuções conjuntivas e adverbiais), fenômenos como queismo e dequeismo, a aquisição do léxico, a formação de palavras (diminutivos, aumentativos, palavras derivadas, compostas etc.), a distinção ser-estar, o uso de artigos, dentre outros. Na maioria dos casos, essas questões apresentam grandes diferenças no que diz respeito ao sistema linguístico do Espanhol.

Os aspectos fonético-fonológicos, embora estudados, não têm merecido toda a atenção requerida por parte dos pesquisadores, pois é nesse nível que com mais facilidade e força se verifica o indesejado “portunhol”. Levando em conta a dificuldade que encontramos para localizar as fontes históricas, nos parece mais importante salientar a lacuna existente de pesquisas históricas sobre o ensino de Português como Língua Estrangeira (doravante PLE) e Português para Falantes de Espanhol (doravante PFE) especificamente. Esta numeração não procura ser suficiente, mas busca desvendar alguns dos elementos que contribuem para o “esconde-esconde do Português com o Espanhol” (ALMEIDA FILHO, 2001).

 

4-Considerações finais

Esta pesquisa documental objetivou fazer um levantamento dos textos acadêmicos (artigos de revistas e livros, capítulos de livros e livros), produzidos entre 1989 e 2010, que abordaram o ensino-aprendizagem de português L2 para hispanofalantes no Brasil, em contexto de imersão. Permitiu apontar os aspectos tratados nessas pesquisas e propor brevemente novos temas para a agenda de estudos da área de PFE. Após concluir o estudo, constatamos que nesses 21 anos foram publicados 3 artigos em 5 revistas brasileiras, 21 em 9 livros, 3 capítulos em 2 livros e 1 livro, incluindo nessa lista aqueles trabalhos que só se conhecem os títulos e temas abordados mas não puderam ser analisados. Os tópicos predominantes foram: a) propostas de metodologias para o ensino de português-espanhol línguas próximas; b) interlíngua e fossilização como fenômenos decorrentes dessa proximidade; c) possíveis abordagens para desenvolver o ensino de português e; d) características e efeitos do exame Celpe-Bras nas produções orais e escritas dos candidatos.

Neste momento, a área de PFE encontra-se em um processo de desenvolvimento, o que demonstram as pesquisas apontadas; mas ainda faltam novos horizontes por (re)descobrir, materiais didáticos por produzir, cursos por planejar, para caminhar com passo mais firme na formação de professores, a fim de conduzirem um ensino de português para hispanofalantes de qualidade, à altura das necessidades atuais, que não só leve em conta as (des)vantagens da vizinhança, mas que promova o respeito e a aceitação da identidade do outro. Estudos que ampliem este levantamento inicial serão sempre, além de bem-vindos, necessários.

 

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Notas de fim

[1] Conversa informal com a Profª Drª Percília Santos, 2010.

[2] Lombello, Leonor C.; El-Dash, Linda G.; Baleeiro, Marisa A. Subsídios para a elaboração de material didático para falantes de espanhol. Trabalhos em Linguística Aplicada (1). 1983. p. 117-132.

[3] Lombello, Leonor C. Articuladores e elementos de relação na aquisição de português por um falante de espanhol. Trabalhos em Linguística Aplicada (2). 1983. p. 89-111.