Ano 3 - Nº 3 - 1/2009

6. Raízes do Ensino Comunicativo de Línguas

Resumo
Dois movimentos contrastantes de ensino de línguas marcaram o início da década 1970, a saber, o movimento audiolingual no Brasil e o nocional-funcional (precursor do cumunicativismo) na Europa Ocidental. Por meio de pesquisa bibliográfica de caráter histórico, este artigo visa a apresentar algumas condições que reunidas e amadurecidas permitiram a emergência de uma tradição comunicacional em alternativa à gramatical no cenário mundial e brasileiro. Como resultados, verificamos que apesar de a década de 1970 representar a ponta do iceberg do movimento comunicativo de aprendizagem e ensino de línguas, os séculos XIX e XX ofereceram várias condições precursoras desse movimento identificáveis em trabalhos de europeus, indianos, americanos e brasileiros.

Palavras-Chave: Aprendizagem e Ensino de Línguas; História do Ensino de Línguas; Movimento Comunicativo; História do ensino comunicativo

Abstract
Two contrasting movements in the Área of Learning & Teaching Languages marked the beginning of the 1970’s, namely, the audiolingual variant of the Grammatical Approach in Brazil and the notional-functional approach in Western Europe. By way of a qualitative, bibliographic research project, this article seeks to bring out some of the concurring conditions permitted the emergence of a communicational language teaching tradition as an alternative to grammatical teaching both overseas as in Brazil. As a result, we have observed that despite de 70’s decade may offer various methodological ideas ahead of its time in Europe, contributions coming from India, the US and Brazil added enthusiasm for explorations of communicative potential for Language Learning and Teaching.

Key-words: Learning and teaching languages, history of the learning and teaching of languages, communicational movement, history of communicative language teaching.

 

 

1. Raízes históricas do ensino comunicativo

No começo dos anos 70, no século passado, o mundo do ensino de línguas estava vibrando com os acordes do movimento metodológico estrutural audiolingual, uma vertente de grande apelo da nossa velha e transformista abordagem gramatical. O grosso do ensino de idiomas no Brasil nessa época se guiava por um cerne de padrões gramaticais pré-definidos da língua-alvo que iam ser apresentados nas salas numa confirmada e santa ordem, banhados em contextos de situações e diálogos, sem explicações de suas naturezas regradas, mas amplamente praticados, repetidos, para depois reaparecerem numa produção guiada e controlada dos aprendizes. A fórmula praticada desse modelo obedecia a três fases reconhecidas na sigla APP (apresentação, prática e produção).

Os livros didáticos desse período foram amenizados pelas abundantes ilustrações dos pontos de ensino disfarçados de linguagem normal em uso cotidiano. As aulas, depois, iriam se pautar por um aquecimento produtivo da turma, um elemento motivador da produção constantemente comandada e valorada pelos atentos e dinâmicos professores. Inúmeras sequências de repetições buscavam implantar os pontos de ensino e o vocabulário que se pedia na memória (ainda que um tanto curta) dos aprendizes. Envolvidas em muita oralidade, as lições eram ensaiadas e muitos exercícios desfiados com o intuito de se chegar ao domínio da nova língua.

O auge metodológico dessa variante estrutural audiolingual da abordagem gramatical no Brasil coincidiu com a emergência na Europa ocidental, no início dos anos 70, principalmente na Inglaterra, de um contramovimento que trazia em sua filosofia concepções contrastantes de língua/linguagem, de aprender e de ensinar línguas que se denominou nocional, nocional-funcional e, finalmente, comunicativo. O conceito de língua preferia vê-la como ação social comparada a blocos sintáticos descritos por linguistas cada vez mais especializados e entusiasmados com o poder criador sintático movido por regras transformacionais exibido por qualquer falante nativo de uma língua. Ensinar uma nova língua era identificado como produzir vivências relevantes já na língua-alvo, embaladas por funções comunicativas num primeiro momento e o aprender foi se convertendo num desejo de se transformar em adquirir uma firme capacidade de uso desse idioma-alvo.

Já tinha ocorrido críticas sobre princípios audiolinguais na década anterior (anos 60) do século 20. Os artigos de Newmark (1960) e de Newmark & Reibel (1968) são ótimos exemplares dessa crítica nos Estados Unidos indicando a interferência indevida dos estudos gramaticais no ensino de línguas. No ano de 1966, Noam Chomsky, o grande linguista gerativo-transformacional, desestimulou com grande lucidez num evento importante de linguistas nos Estados Unidos a aplicação generalizada de idéias linguísticas no ensino de línguas sob a alegação de que uma teoria de língua não era o mesmo que uma teoria da aprendizagem de uma (nova)língua. Mas a cena psicológica estadunidense tinha sido dominada pelo behaviorismo por mais de cinquenta anos e agora era o estruturalismo que se impunha pelas mãos da Linguística. O casamento dessas duas vertentes de força intelectual deu frutos no audiolingualismo para o ensino de Línguas desde os anos 60. Era esperado que uma inovação contrastada na área de Aprendizagem e Ensino de Línguas (AELin) da Linguística Aplicada fosse bem menos viável nos Estados Unidos do que na Europa.

A Europa dos anos 70 vivia outro clima. Embalava com força nesse período o sonho de unidade européia conhecido à época como Mercado Comum Europeu e depois transformado em Comunidade Européia. A área da Linguagem no Velho Continente, exemplificada por nomes como os de Firth nos anos 40 e de Halliday (1970, 1973), jamais abandonara o interesse pela semântica, pelo significado nos estudos de línguas como ocorreu nos Estados Unidos com linguista líderes como Harris e Bloomfield a partir dos anos 40 e com Chomsky, em seguida, nos anos 50 e 60.

A emergência de um projeto político para unir os países da Europa continha desafios, entre eles o da diversidade de línguas e culturas que passariam a gozar de uma proximidade maior nos contatos, nas viagens, nos negócios e na política. A consequência era ter de ensinar e aprender as línguas européias dos participantes. A tarefa de aprender línguas acrescentava dúvidas se era possível um projeto de massa com os métodos gramaticais estruturais da época. Uma população crescentemente idosa de aposentados com desejos de viajar e de aprender línguas estaria bem servida com os meios tradicionais? Os longos anos de estudos para se obterem resultados pífios não falavam a favor da continuidade. Os profissionais e pesquisadores da área de AELin e da Linguística Aplicada buscaram novos aportes teóricos para construir suas novas respostas.

 

2. O florescimento do ensino comunicativo de línguas

Desde o começo do século 19, algumas idéias filosóficas fundamentais começaram a apoiar as novas diretrizes metodológicas oriundas do pensamento de Hegel, na Alemanha e tinham estabelecido a natureza social do conhecimento produzido em mentes igualmente sociais. Isso levou a concepções posteriores da verdade como um esforço relativo entre participantes sociais com o fim de estabelecer um termo negociado aceito pelas partes. Na linguística, a ascensão da sociolinguística testemunhou o alcance das ideias construídas por Hegel no século anterior. As contribuições de Dell Hymes (a partir de 1967), principalmente o conceito de competência Comunicativa, inspirado em Roman Jakobson (funções da linguagem) fundado na escola de Praga, na hoje República Checa, calçaram o chão teórico do ensino de línguas. Os estudos de Austin, na Inglaterra, sobre os atos de fala também trouxeram munição conceitual essencial para proposições de um planejamento comunicativo nocional funcional calcado em funções. Autores ingleses como David Wilkins (1971, 1976) e Henry Widdowson (1978) se incumbiram de consolidar bases importantes com as quais ensinar e aprender línguas dentro de uma alternativa ortodoxia que se anunciava: a da Abordagem Comunicativa. Esse foi o conceito filosófico de conjunto de idéias e conceitos sobre o que é língua, aprender e ensinar língua que orienta as ações de professores, planejadores de cursos, autores de materiais e produtores de exames que animou o movimento comunicativo ou comunicacional, na sugestão ressignificadora de comunicação como ação linguajeira entre pessoas sociais construindo sentidos na interação proposta na Índia por Nagore Prabhu nos anos 90.

No Brasil, inauguramos o movimento comunicativo com a realização inédita de um evento científico-profissional, o Seminário Nacional sobre o Ensino Comunicativo de Línguas, realizado na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, em outubro de 1978. No ano anterior, em junho de 1977, defendi dissertação de mestrado fruto de uma pesquisa aprovada pela Universidade de Manchester, na Inglaterra exatamente sobre as bases para um planejamento comunicativo nocional-funcional de um curso de língua (Almeida Filho, 1977). O conteúdo da dissertação foi o tema abordado na abertura do Seminário seguido de discussão pelos presentes, muitos tomando contato com as bases do comunicativismo precisamente nesse evento pioneiro.

 

3. Concluindo

Vemos neste sucinto quadro histórico produzido, que algumas condições foram reunidas e amadureceram para permitir a emergência de uma tradição comunicacional alternativa à gramatical, de tão longa cepa no campo da AELin. O protagonismo de autores fundantes do Reino Unido, dos Estados Unidos e da República Checa tornaram possível as primeiras manifestações auto-conscientes do movimento comunicativo de ensino de línguas pivotado pela abordagem comunicativa e sua plêiade de conceitos correlatos como tópicos, temas,noções semântico-gramaticais, funções comunicativas e realizações de funções. A existência de uma taxonomia ou sistema terminológico descritivo já representa um indício substancial de implantação de modelo paradigmático de fazer o ensino de línguas. Sem o apoio de um quadro teórico indiciado pela taxonomia disponível não se sustentaria o movimento comunicativo de que tratamos neste texto.

 

Referências

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