Ano 3 - Nº 3 - 1/2009

4. A Importância da História do Brasil para Compreender a Trajetória do Ensino de Línguas no País

Resumo
O conhecimento de História Geral do Brasil pode ser de suma importância para se compreender a trajetória da disciplina História do Ensino de Língua Estrangeira(Inglês) em nosso país. Este artigo objetivou por meio de uma metodologia analítica documental encontrar dados da história do ensino de línguas a respeito de sua produção informal e formal partindo da descoberta do Brasil, passando pela chegada dos jesuítas e da família real de Portugal e chegando ao século XXI. Para tanto, questionou quais são os modelos base desse ensino, e ainda, até que ponto progredimos com relação ao nosso modo de atuar na sala de aula de língua(s). Como resultados, observamos que os modelos foram europeus e clássicos, afiliados ao tradicional método de ensinar latim (ou equivalente) e que, entre avanços e retrocessos, chegamos a um crescente desejo já expresso em legislação de um ensino para as demandas de comunicação em sociedade. Para materialisar esse desejo, recomendamos que professores e pesquisadores se lancem na busca por melhor compreender por meio da história o passado, o presente e o futuro da educação em língua estrangeira no Brasil.

Palavras-chave: Ensino de Língua Estrangeira; História; Sociedade Brasileira.

Abstract
The knowledge of Brazilian General History can be of the utmost to understand the development of the discipline History of Language Teaching (English) in our country. This article aimed, by means of an analytical documental methodology, to find formal and informal historical data about the history of language teaching in Brazil since the discovery of the country, passing through coming of the Jesuits and of the Portuguese royal family, until the 21st century. For this purpose, it questioned the models of this teaching and, in addition, the extent of the development of language teaching education. As a result, we noticed that European and classical models were used, associated to the traditional method of teaching Latin. Moreover, between advances and restraints, we reached a growing desire, already expressed in legislative form, of having a teaching method to answer the communication needs in society. In order to fulfill that desire, we recommend that teachers and researchers search for an understanding, through History, of the past, present and future of foreign language education in Brazil.

Key-words: Language teaching , History , Brazilian Society. 

  

  

1. Introdução

Por meio da História somos capazes de interpretar velhos episódios para descobrir, explorar e projetar novos sentidos que possam produzir perspectivas e atitudes que sejam relevantes na nossa formação e atuação[1]. A História diz muito sobre a nossa identidade, crenças e também sobre o modo como justificamos nossa prática profissional. Com base na interpretação das narrativas densas que ela nos apresenta descobrimos como o ensino de línguas foi visto e resolvido em vários momentos da nossa história. Podemos inferir que esse ensino ou aprendizagem de línguas foi produzido informalmente à época da descoberta do Brasil, depois de 1500, e formalmente, após a chegada dos Jesuítas e da família real de Portugal, e questionar quais são os modelos que seguimos ou nos quais nos inspiramos, e ainda, até que ponto progredimos com relação ao nosso modo de atuar na sala de aula de língua(s).

Ao conhecermos as versões dos acontecimentos, visualizamos um quadro comparativo e reflexivo entre o ontem e o hoje e nos situamos na linha do tempo. A história do Brasil mostra como os acontecimentos políticos, econômicos e didáticos interferiram na construção do sistema social que culminou no que somos hoje como país e como povo. Neste trabalho de natureza exploratória e apoiado em metodologia analítica documental, perguntamo-nos se o conhecimento de história geral do Brasil importa para a escritura de uma história setorizada como a do ensino de línguas no país e, no caso de uma resposta positiva, de que maneiras essa história do ensino de línguas pode melhor usufruir da sua matriz mais geral.

 

2. História geral e história específica

A história é o registro de fatos, eventos e personagens de um povo ou mesmo da humanidade com uma exegese dada. A história geral busca abarcar principalmente marcos políticos e econômicos atrelados ao impacto social na construção contínua de uma sociedade. Sua importância alcança todos os segmentos, mas ela é particularmente interessada numa classe política e econômica protagonista dos fatos eleitos como simbolicamente relevantes. No processo de escrever uma história nacional ou regional, por exemplo, criam-se mitos e heróis com um valor simbólico fundador da nacionalidade.

A história de um segmento específico também se pauta por personagens e fatos políticos e econômicos, mas o seu interesse recortado faz o historiador nessa modalidade extrapolar esses eixos para buscar fontes que a História Geral ignora ou escolhe não interpretar. No caso da História do Ensino e da Aprendizagem de Línguas, o pano de fundo marcadamente político e econômico da História Geral será, obviamente, de interesse. No entanto, o tecido das trocas econômicas, das relações internacionais e, principalmente, da instrução educacional será o locus privilegiado da exegese histórica.

Neste artigo, tomaremos alguns grandes fatos da História Geral do Brasil para observar analiticamente como a história específica do ensino de idiomas foi influenciada por ela. Iniciaremos com a fase fundadora da posse de Pindorama pelos viajantes comerciantes portugueses.

 

3. Momentos significativos do ensino de línguas no Brasil

A História do Ensino e da Aprendizagem de Línguas no Brasil começa em 1.500 com uma alegada descoberta da terra que seria depois o Brasil como o conhecemos hoje. Nesse período de pouca escola e muita exploração de bens materiais como a madeira, tivemos as primeiras modalidades de ensino, que foi o contato desentendido em difícil busca de uma compreensão e de aquisição forçada por parte de indígenas e de línguas[2], pessoas deixadas para viver com os índios para que aprendessem seus idiomas. A aprendizagem de tipo escolar começaria depois da metade do século 16 nas escolas jesuíticas de primeiras letras apoiadas por textos clássicos e por uma gramática (portuguesa inicialmente e das línguas da costa brasileira com o tempo).

As primeiras experiências, conforme asseveramos, constituíram-se de uma imersão forçada dos línguas nas comunidades indígenas pela urgência entre jesuítas e índios de contato, necessário para a exploração das riquezas da terra e a transferência de bens como a madeira até os pontos de embarque. A segunda fase ocorre no momento em que os jesuítas instituíram escolas confessionais com base na gramática e na Bíblia. O bom Padre Anchieta escreve a primeira gramática do Tupi já em 1536 após ter adquirido como aprendiz independente, segundo deduzimos, a língua dos índios. Importante ressaltar que mesmo com experiências positivas de se aprender a língua dos índios por meio do uso e em comunicação, a crença da eficácia da gramática no ensino faz-se consistente, seguindo o modelo do ensino de Latim (Cf. Almeida Filho, 2005).

Trezentos anos depois dessa primeira fase, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808, aos professores de língua foi facultado escolher a melhor gramática até que pudessem fazer suas próprias. Um bom professor deveria ser capaz de escrever sua própria gramática. De acordo com a Decisão n. 29 de 1809[3] o professor deveria ensinar as línguas modernas da mesma forma que o Latim era lecionado "e pelo que toca a matéria do ensino, dictarão as suas lições pela grammatica que for mais bem conceituada, enquanto não formalizarem alguma de sua composição" (Decisão n. 29 de 1809).Neste excerto, verificamos a força do ensino pautado na gramática e o lugar de destaque que ela ocupava no ensino de línguas. É possível, por meio da análise de documentos como a Decisão n. 29, destacada acima, compreender como o passado influencia até hoje o ensino de línguas nas escolas brasileiras. Também se faz importante comparar as políticas públicas educacionais do passado e as atuais e analisar se houve mudanças substanciais, onde avançamos e onde retrocedemos.

Vemos com preocupação hoje que o ensino de línguas voltado para a comunicação, tido como adição inovadora no âmbito metodológico, desde o final da década de 70 do século vinte, não passa de manifestação verbal de um valor desejado e muito pouco vivenciado conforme atestam estudos de Almeida Filho (2006), Tardin Cardoso (2001) e Pedreiro (2002).

Em 1809, acompanhando o novo ciclo de progresso alimentado pela presença da Família Real Portuguesa no Rio de Janeiro, iniciavam-se os primeiros movimentos para a implantação de um sistema de ensino mais avançado e junto a ele a inclusão de duas línguas vivas no currículo das escolas: o francês e o inglês. Até então havia apenas o ensino do latim. A Decisão n. 29 de 1809 criava as primeiras cadeiras de línguas modernas na corte imperial brasileira e este é um marco importante na história do ensino de línguas: "e sendo outrossim tão geral, e notoriamente conhecida a necessidade, e utilidade das línguas vivas teem o mais distinto logar, é de muito grande utilidade ao Estado, para augmento e prosperidade da instrução publica, que se crêe nesta capital uma cadeira de língua franceza e outra de ingleza”(Decisão n. 29 de 1809).

Estas línguas recém admitidas no currículo brasileiro deveriam seguir os modelos praticados pelos professores de Latim que se respaldavam na gramática. Em seu artigo O Ensino de Língua Estrangeira no Império: O que mudou? Celani (2000, pág.229) observa que às novas línguas era dado o mesmo status do Latim, considerada a língua de prestígio da época. Esse status passou por diversas mudanças devido às várias reformas por que o ensino brasileiro passou desde a descoberta. O francês, apesar de representar a cultura do inimigo[4] para a corte portuguesa transplantada, era também a língua da arte, do iluminismo e tradicionalmente estava ligada a Portugal. Embora o inglês fosse tido como a língua do comércio, da prática e do aliado político da época, não gozava esse idioma do mesmo prestígio do francês. Do ponto de vista político, podemos visualizar como o ensino de línguas sempre esteve atrelado aos poderes subjacentes aos idiomas colocados nos currículos escolares e aos investimentos em torno deles, ligando-os intrinsecamente à política. Segundo Celani (op cit.) não há notícia do ensino de línguas vivas no sistema de ensino público, antes da chegada de D. João VI, a não ser o que menciona Moreira de Azevedo (apud Moacyr, 1936) “No colégio de Piratininga lecionou o Padre Anchieta que escrevia as lições em cadernos; ensinavam as línguas portugueza, espanhola, latina e a brasileira (o Tupi)”(p.12).

Portanto, é primordial por parte daqueles que trabalham na perspectiva da (re)construção histórica do ensinar e aprender línguas dispor de um conhecimento da História Geral que parece facilitar o entendimento das leis vigentes e da nossa consciência crítica no âmbito específico do Ensino de Línguas. Só é possível explicar porque o Inglês faz parte do currículo escolar se voltarmos no tempo e fizermos uma avaliação da importância dessa língua para a sociedade brasileira, principalmente sob os pontos de vista político e econômico.

Depois de sucessivas reformas e de diferentes acontecimentos no país, vivemos novamente a fase de inclusão de outras línguas no currículo escolar. O atual quadro político e histórico no Brasil prevê o ensino do espanhol que passa a ser obrigatório a partir de 2010. Com o crescimento de laços econômicos com países vizinhos hispanofalantes da América do Sul, o espanhol torna-se uma língua necessária, justificando-se, assim, a sua inclusão. O Brasil também cresce economicamente no século XXI e o português pela primeira vez fará parte do currículo escolar de um vizinho latino-americano, a Argentina[5].

Notamos que há necessidade de se aprender bem uma língua estrangeira, porém a escola pública e a privada apresentam dificuldades comuns para formação de alunos e professores capazes de compreender o que preconizam os documentos oficiais das autoridades e especialistas indicados pelo Ministério da Educação. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS, 1999) sugerem para o ensino de língua estrangeira de 5ª a 8ª séries, uma abordagem sociointeracional, com ênfase no desenvolvimento da leitura, justificada nas condições das salas de aula da maioria das escolas brasileiras, como carga horária reduzida, classes superlotadas, pouco domínio da habilidade oral pela maioria dos professores, material didático escasso etc. O documento PCN recebeu críticas e muita indiferença por defender a leitura em detrimento da comunicação e por fechar os olhos ao caos instalado na escola pública.

Em 2000 para atender a uma necessidade de atualização da educação brasileira, já que as antigas diretrizes haviam sido elaboradas no final dos anos 60, o novo Ensino Médio foi organizado em três áreas de conhecimento: Ciências da Natureza e Matemática; Ciências Humanas; Linguagens e Códigos, que é onde está inserido o ensino de Línguas Estrangeiras ainda ditas modernas (LEM) conforme eram conhecidas depois da segunda grande guerra no final dos anos 40 do século vinte. Os objetivos principais das áreas de conhecimento são: organizar, interligar e contextualizar as disciplinas do currículo. As LEMs estão agora inseridas em uma grande área e assumem a sua função de serem veículos de acesso ao conhecimento, ou seja, as diferentes formas de pensar, agir, sentir e criar. Desta vez o ensino de uma LEM objetiva levar o aluno a comunicar-se de maneira adequada em diferentes situações da vida cotidiana (Cf. PCNs, 1999, p. 49-63).

 

4. Concluindo

Este   artigo levou-nos a refletir como alguns acontecimentos históricos gerais de cunho político e econômico de alguma forma interferiram nas medidas adotadas para o ensino de línguas no Brasil. Sugerimos a busca por conhecimentos de História que podem ser muito relevantes para a compreensão de nossa identidade na escrita analítica da história específica do ensino de línguas. Nosso passado nos diz como construímos nossas práticas, nossas crenças e ainda nos dá uma perspectiva para futuras mudanças. Ao olhar o passado podemos ver o lado positivo e negativo dos fatos, que podem nos inspirar a retomar o antigo e também a refletir e propor intervenções que possam modificar nossas práticas e as políticas públicas para o ensino de línguas neste país.

 

Referências

ALMEIDA FILHO, José Carlos P. Linguística Aplicada, Ensino de Línguas e Comunicação. Campinas: Pontes Editores, 2006.

CARDOSO, Rita de Cássia Tardin. O imaginário do comunicativismo de professores de língua inglesa do ensino médio e fundamental. 2001. Tese de doutorado em Letras, UNESP/Assis, São Paulo.

CELANI, Maria Antonieta A. O ensino de Língua Estrangeira no Império: o que mudou? . In: BRAIT, Beth; BASTOS, Neusa (org). Imagens do Brasil: 500 anos. São Paulo: EDUC, 2000, p. 219-247.

MOACIR, Primitivo. A Instrução e o Império. (subsídios para a História da Educação no Brasil) 1823-1853, 1° volume. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936. (Série 5ª Brasiliana da Biblioteca Pedagógica Brasileira).

Parâmetros Curriculares Nacionais, Códigos E Suas Tecnologias. Língua estrangeira moderna. Brasília: MEC, 1999. p. 49-63.

PEDREIRO, Silvana. História do comunicativismo no Brasil. 2002. Dissertação de mestrado em Linguística Aplicada, Instituto de Letras, UnB, Brasília.

 


1. Agradeço ao Prof. Almeida Filho pela orientação, revisão e substanciais contribuições neste artigo. Sua aulas na disciplina de História do Ensino de Línguas no Brasi, pioneira em programas de pós-graduação no Brasil, foram uma verdadeira e aprazível viagem pelo tempo que me inspiraram a continuar explorando essa perspectiva.

2. Colonos e meninos portugueses mandados para o Brasil por serem órfãos ou delinquentes. Essas pessoas eram colocadas em contato direto com os índios por período de anos para aprender a língua dos índios. Era uma forma espontânea de aprender a língua. A aquisição era feita por imersão.

3. Documento que instituía, em 1809, a cadeira de duas línguas modernas no Brasil, o inglês e o francês.

4. A França exigia que Portugal fechasse seus portos para o comércio com a Inglaterra, e D. João optou por não ceder às exigências de Napoleão e fugir para o Brasil, então colônia de Portugal. A Inglaterra garantiu proteção à família real durante a fuga.

5. Las escuelas nacionales deberán incluir a partir de este año “una propuesta curricular” para la enseñanza del portugués como lengua extranjera, cuya cursada será “de carácter optativo para los estudiantes”. ( La ley 26.468, publicada ayer en el Boletín Oficial del Argentina, 2009).