Ano 3 - Nº 3 - 1/2009

2. Considerações sobre o Ensino de Línguas no Brasil: da instituição do método direto à primeira versão da LDB

Resumo
O presente artigo apresenta alguns dos frutos do Projeto de Pesquisa intitulado “A legislação sobre o ensino de línguas e seus reflexos em Sergipe (1931-1961)”, sediado na Universidade Federal de Sergipe, visando a delinear o processo de institucionalização, por meio de pesquisa documental da legislação, do ensino de línguas no país e suas repercussões no Estado de Sergipe. Como resultado da análise documental, verificamos que, no período de 1931(instituição do método direto) a 1996 (instituição da LDB), a finalidade prática do ensino das línguas vivas não se confirma no instituído método prático – o método direto – pela forte interferência de terceiros, pelas condições políticas, pedagógicas e culturais vigentes, e somente com a primeira LDB é que se sugere algo de mais prático no ensino de línguas reconhecível como uma capacidade de usar a língua aprendida no currículo escolar.

Palavras-Chave: história do ensino de línguas no Brasil, periodização de HELB. Métodos de ensino de línguas.

Abstract
The present article shows some of the fruits born by the Research Project “The Legislation on the teaching of languages and their reflexes on language teaching in the State of Sergipe (1931-1961), Brazil, rooted at the Federal University of Sergipe with a view to outlining the process of institutionalization of the process of language teaching in the State through documental research. As a result of this analysis conducted, it was observed that in the period analysed reaching from the official issuing of the Direct Method for language teaching in 1931 to the promulgation of the Law of Basic Guidelines for Education (known as LDB Law in Brazil), the teaching of foreign languages did not succeed in translating school teaching into something practical like the ability to use the target language for some realistic purpose. Teaching is observed to be open to third party agents according to political and cultural winds. The issuing of the new general law in 1961 signals a possible change in actual language teaching towards pragmatism in the educational practices pointing to a need for a capacity of target language use.

Key-Words: history of language teaching in Brazil, periodization of language teaching, methods of language teaching.

 

 

1.Introdução

Investigar, descrever e analisar a institucionalização do ensino das línguas no Brasil, acompanhando seu processo de configuração no sistema educacional do país, é, em grande medida, acompanhar o movimento histórico das políticas educacionais do Estado, no intuito de apreender suas finalidades políticas, pedagógicas e culturais tal como se mostram no texto final da lei, que por sua vez é o resultado de práticas legislativas que envolvem vários agentes terceiros que não professores e aprendizes de idiomas, ao mesmo tempo em que é perpassada por muitos fatores de diversas ordens – política, religiosa, comercial e cultural.

Além das peças legislativas propriamente ditas, hoje o ensino de línguas dispõe de um considerável leque de documentos referenciais para a organização dos currículos da Educação Básica: as Diretrizes, os Parâmetros e as Orientações Curriculares Nacionais. Duas pesquisas de Iniciação Científica recentemente concluídas[1] no bojo do nosso Projeto deixaram bem claro que a maioria dos professores da rede pública do município de Aracaju desconhece não somente os referidos documentos, mas também a própria LDB de 1996. Diante desse contexto, era necessária uma pesquisa que visasse a mobilizar esforços para a organização e sistematização da legislação educacional brasileira, no intuito de delinear o processo de institucionalização do ensino de línguas no país e suas repercussões no Estado de Sergipe, do ponto de vista legislativo[2].

Assim, este artigo apresenta sumariamente alguns dos principais resultados de um Projeto de Pesquisa intitulado A legislação sobre o ensino de línguas e seus reflexos em Sergipe (1931-1961), financiado pelo Programa de Auxílio à Integração de Docentes e Técnicos Administrativos Recém-Doutores às Atividades de Pesquisa (PAIRD – EDITAL POSGRAP/UFS 02/2007), executado por Luiz Eduardo Oliveira e João Escobar J. Cardoso.

 

2. A instituição por lei do método direto

No ensino de línguas, a grande promessa de inovação da reforma dos estudos secundários veio certamente, com a ênfase dada à adoção do método intuitivo direto no ensino das línguas vivas estrangeiras (francês, inglês e alemão), através da portaria de 30 de junho de 1931, que, ao expedir os programas do curso fundamental, especificou o conteúdo, os objetivos e a metodologia de cada disciplina. Assim, o chamado método direto foi instituído oficialmente no Colégio Pedro II pelo Decreto n. 20.833, de 21 de dezembro de 1931, o mesmo que extinguiu os cargos de professores catedráticos de francês, inglês e alemão, no mesmo estabelecimento. Segundo o novo método, o significado das palavras estrangeiras deveria ser obtido não pela tradução de sua equivalente em português, mas pela ligação direta do objeto à sua expressão.

Art. 1.º – O ensino das línguas vivas estrangeiras (francês, inglês e alemão), no Colégio Pedro II e estabelecimentos de ensino secundário a que este serve de padrão, terá caráter nimiamente prático e será ministrado na própria língua que se deseja ensinar, adotando-se o método direto desde a primeira aula. Assim compreendido, tem por fim dotar os jovens brasileiros de três instrumentos práticos e eficientes, destinados não somente a estender o campo da sua cultura literária e de seus conhecimentos científicos, como também a colocá-los em situação de usar, para fins utilitários, da expressão falada e escrita dessas línguas (apud BICUDO, 1942, p. 581).

No capítulo terceiro do seu livro sobre Didática especial de línguas modernas (1957), dedicado à Evolução do ensino das Línguas no Brasil, Valnir Chagas, à época mestre da Faculdade de Filosofia do Ceará, conforme as palavras de Anísio Teixeira no prefácio, depois membro do Conselho Federal de Educação, afirma que tal evolução confunde-se com a história da Escola Secundária brasileira, dividindo o desenvolvimento da Didática das Línguas, "entre nós", em duas fases, ou períodos: um antes e outro depois de 1931, quando, após a “Revolução de 1930”, o Ensino Secundário foi reformado no ministério Francisco Campos e instituído um método oficial para o ensino das Línguas Vivas: o método direto (Chagas, 1967, p. 103).

Tal divisão, na verdade, havia sido estabelecida por A. Carneiro Leão, em O ensino das línguas vivas, livro publicado em 1935. Professor Dirigente de Francês no Colégio Pedro II e um dos membros da comissão encarregada das Instruções relativas à reforma, as quais, “elaboradas dentro do mesmo espírito do trabalho francês, anexo à circular de 15 de novembro de 1901”[3] na França, tinham sido planejadas pelo professor Delgado de Carvalho, diretor do Externato, e implementadas por Henrique Dodsworth, seu sucessor. Leão (1935), no capítulo dedicado ao Brasil, escreveu que até 1931 “o ensino das linguas vivas nos estabelecimentos secundários oficiais era feito pelo velho método da tradução e da gramática (LEÃO ,1935, p. 261).

Assim, conforme o autor, na reforma Francisco Campos a renovação no ensino de línguas vivas foi a única coisa verdadeiramente nova para o sistema educacional brasileiro da época. Isso porque o estudo das línguas vivas era restrito às profissões comerciais, em cujas escolas o modo como se efetuava o ensino das línguas era precário, de modo que “afora os filhos de famílias abastadas, cuja infância era acompanhada pelas governantas ou transcorrida nos colégios de irmãs religiosas, ninguém deixava os Liceus ou os Ginásios nacionais sabendo francês ou inglês” (LEÃO, 1935, p. 261). Os principais motivos apontados para o fracasso do ensino de línguas nas escolas eram: a falta de professores capazes de falar a língua corretamente; o estudo da língua viva como se fosse língua morta; e a pequena carga horária destinada ao estudo de línguas.

No entanto, apesar da grande revolução metodológica representada em potencial pela oficialização do método direto (1931), depoimentos de ex-alunos e professores, ao menos no Estado de Sergipe[4], são unânimes em dizer que o professor não ensinava a língua estrangeira na própria língua estrangeira, pautando-se geralmente pelo método da gramática e tradução.

Como se sabe, o ensino das línguas vivas permaneceu dissociado de suas respectivas Literaturas, ou de sua História Literária, uma vez que estas se encontravam incluídas nos programas de matérias alheias, tais como Literatura Geral, História da Literatura e Português, depois da reforma de 1881, última do período imperial. As reformas da Primeira República não alteraram tal estrutura, mesmo quando se propôs a inserção da evolução literária no programa das línguas, pelo Decreto n. 8.660, de 5 de abril de 1911, assinado pelo ministro Rivadávia Correia, como sugere a tese Origens da língua inglesa – sua literatura (1920), do baiano Oscar Przewodowski, professor da Cadeira de Inglês do Colégio Pedro II, cujo esboço histórico da Literatura Inglesa encontra-se fora dos propósitos do melhor método de ensinar a língua (Oliveira, 1999, p. 170).

Somente em 1943, com a Portaria Ministerial nº 148, de 15 de fevereiro, assinada pelo ministro do Estado Novo Gustavo Capanema – que pôs em execução, durante o seu mandato, uma série de regulamentos intitulados Leis Orgânicas do Ensino, o estudo de literatura estrangeira passou a fazer parte das cadeiras das línguas correspondentes, sendo as noções gerais de literatura transferidas para o programa de Português da primeira série. A nova lei (ou Portaria), entretanto, só vigorou até 1951, quando foi emitida a Portaria nº 614, de 10 de maio, assinada pelo ministro Simões Filho, que, simplificando os programas de várias disciplinas do Curso Secundário, suprimiu das línguas vivas o estudo de suas respectivas Literaturas (OLIVEIRA, 1999, p. 171).

Quanto à orientação prática dos Exames Gerais de Preparatórios, que em 1884 adotaram o exercício de composição livre ao invés da versão, em conformidade com o pensamento prático que deve presidir o estudo das línguas vivas, o sistema logo foi objeto de crítica, como mostra o relatório de 1891 do ministro João Barbalho Uchôa Cavalcanti, para quem a composição em Português e a versão desta composição para a língua estrangeira não era uma prova séria, pois “ou o alumno industriado procura compor phrases curtas e fáceis, de verter e abreviar seu trabalho, pretextando a falta de matéria ou insere umas tantas phrases já preparadas (...)”(BRASIL, 1891, p. 19). Para remediar tais males, Benjamin Constant havia expedido, em 11 de outubro de 1890, Instruções pelas quais se deveria regular os Exames Gerais de Preparatórios da Capital Federal, exigindo que as provas escritas de Francês, Inglês e Alemão constassem da versão de um pequeno trecho em português “em prosa corrente” e tradução de um trecho poético tirado à sorte, “nunca menor de 20 linhas” (BRASIL, 1890).

Buscamos, então, investigar na letra da Lei da LDB de 1961, o que dela resultou em termos práticos observáveis, ou seja, qual seu impacto no cenário do ensino de línguas do país.

 

3. Considerações Finais

Como se vê, o processo de institucionalização do ensino das línguas vivas no Brasil não tem o aspecto cíclico, ou fechado, que ele adquiriu no século XIX (OLIVEIRA, 2006), pois nem o caráter optativo da língua inglesa se mantém por muito tempo, nem a finalidade prática daquele ensino se extingue no ano escolhido para sua delimitação final em 1961. Ao contrário, ela se intensifica na Primeira República, alcançando seu ápice, por assim dizer, com a instituição do Método Direto, em 1931. Se lermos ao pé da letra o texto do artigo primeiro do Decreto nº 20.833, de 21 de dezembro: “o ensino das Línguas Vivas no Colégio Pedro II e estabelecimentos de Ensino Secundário a que este serve de padrão (...) terá caráter eminentemente prático”.

Assim, a finalidade prática do ensino das línguas vivas não se confunde com um método prático de ensiná-las para que se convertam numa capacidade de uso, apesar de estar a ele relacionado, pois a sua constituição depende das condições políticas, pedagógicas e culturais em que se configura, diferentemente dos métodos, que podem ser importados, adaptados ou apropriados. Nessa acepção, o ano de 1931 não pode marcar o término de um processo que tem continuidade mesmo depois da fundação dos Cursos de Letras também em 1931, ou da extinção da obrigatoriedade do ensino das línguas vivas, com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961.

 

Referências

BICUDO, Joaquim C. O ensino secundário no Brasil e sua legislação atual. São Paulo: AIFES (Associação de Inspetores Federais de Ensino Secundário), 1942.

Brasil. Coleção das leis da República Federativa do Brasil: Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil e Decisões do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil, 1890.

_________. Relatório Ministerial ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil pelo Dr. João Barbosa Uchôa Cavalcanti, Ministro de Estado dos Negócios do Interior em maio de 1891, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. CHAGAS, Valnir. Didática especial de línguas modernas. 2. ed. São Paulo: Nacional, 1967.

LEÃO, Antônio Carneiro. O ensino das línguas vivas: seu valor, sua orientação científica. São Paulo: Nacional, 1935.

OLIVEIRA, Luiz Eduardo M. A historiografia brasileira da literatura inglesa: uma história do ensino de inglês no Brasil (1809-1951). 1999. 194f.

Dissertação de Mestrado, Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: . Acesso em janeiro de 2009.

_________. A instituição do ensino das Línguas Vivas no Brasil: o caso da Língua inglesa (1809-1890). 2006. 373 f. Tese de Doutorado, Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Disponível em: . Acesso em janeiro de 2009.
 


1. Ambas as pesquisas foram orientadas por Luiz Eduardo Oliveira: O Lugar da Literatura no Ensino Médio, executada pela estudante Giselle Macedo Barboza e financiada pelo CNPq, e O livro didático de Língua Inglesa nas escolas públicas de Aracaju, executada pela estudante Fernanda Gurgel Raposo.

2. Esta pesquisa circunscreveu-se ao ensino de línguas e suas respectivas literaturas nos estudos secundários, concentrando-se em sua configuração como disciplina escolar, e não como disciplina acadêmica, o que exigiria um estudo prévio sobre a criação das universidades e dos primeiros cursos de Letras do país.

3. Trata-se das “Instructions relatives à l’enseignement des langues vivantes” (“Instruções relativas ao ensino das línguas vivas”), conforme o autor (Leão, 1935: 40).

4. Foram realizadas entrevistas com a Professora Maria Thétis Nunes, que estudou no Colégio Atheneu Sergipense de 1935 a 1941, onde fez o curso Pré-jurídico; com o Professor João Costa, que, por sua vez, fez o Curso Científico no Colégio Tobias Barreto de 1948 a 1954; e com o Professor José Araújo, que foi aluno do Curso Científico no Colégio Atheneu Sergipense de 1958 a 1961.