Ano 10 - Nº 10 - 1/2016

CARNEIRO LEÃO E AS LINGUAS VIVAS NO BRASIL

Resenha Histórica: CARNEIRO LEÃO, Antonio. O Ensino das Línguas Vivas: uma experiência brasileira. Rio de Janeiro: Serviço de Publicações do Instituo de Pesquisa, 1934. 65 p.

A pessoa de Antônio Arruda Carneiro Leão (1887-1966), mais conhecido como A. Carneiro Leão entre os historiadores da pesquisa histórica, é um personagem histórico que dispensa apresentações por se tratar de um dos mais memoráveis e respeitados intelectuais do cenário brasileiro entre do século XX. Apesar de ser pouco estudado e explorado no âmbito acadêmico nacional, em vista de outros intelectuais, tais como: Fernando de Azevedo, Rui Barbosa, Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, e dentre outros, há na academia, atualmente, segundo Chaguri (2015), 26 pesquisas acadêmicas que, em linhas gerais, mencionam os ideais de Carneiro Leão para educação brasileira, sendo 16 dissertações de mestrado e 10 teses de doutorado. No entanto, das 26 pesquisas acadêmicas relacionadas por Chaguri (2015), apenas 8 dissertações e 4 teses, totalizando a soma geral de 12 pesquisas, que se propuseram em estudar e analisar, especificamente, as ações e o pensamento educacional desse educador, professor e intelectual brasileiro nos mais diferentes aspectos que compõem o cenário educacional.

Os temas que perpassam essas pesquisas estão relacionados à sociologia, formação de professores, a higienização na formação do homem, administração e/ou gestão escolar, a universidade, reforma educacional, escola secundária e educação popular. Outros dois temas que podem ser relacionados às ações e ao pensamento de Carneiro Leão foram e estão sendo estudados no atual Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), sob orientação da Profª Drª Maria Cristina Gomes Machado. Defendido no primeiro semestre de 2016, encontra-se a pesquisa de Rosilene de Lima (LIMA, 2016) que desenvolveu um trabalho de doutoramento em torno das questões que relacionam Carneiro Leão e a zona rural. Além disso, está em andamento a pesquisa de doutoramento de Jonathas de Paula Chaguri, que procura estudar e discutir como se constituem as ações desse intelectual brasileiro para a educação das línguas vivas no Brasil na década de 1930-1940. Ambas as pesquisas fazem parte do eixo de investigação em “História da Educação Pública e Intelectuais” do grupo de estudos e pesquisas “História da Educação, Intelectuais e Instituições Escolares (GEPHEIINSE)”, coordenado pela Profª Drª Maria Cristina Gomes Machado e pela Profª Drª Analete Regina Schelbauer, cadastrado no diretório dos grupos de pesquisa do Brasil no CNPq e certificado pela instituição de origem (UEM) das coordenadoras do grupo.

Por ser um intelectual já explorado pela academia não é simples a tarefa em ler seus escritos para abordar academicamente o seu pensamento. Portanto, cumpre-nos apresentar aos leitores desse periódico uma obra que ficou desconhecida até o momento pela comunidade acadêmica, talvez, por não ser explorada pelas temáticas estudadas em Carneiro Leão ou por sua forma de catalogação realizada em vista de outro título. A obra “O Ensino das Línguas Vivas: uma experiência brasileira”, publicada em 1934 e seguida de sua versão em francês - “L’enseignement des langues vivantes: une expérience bresilienne” – também publicada no mesmo ano, é uma obra elucidativa para compreensão do estudo das línguas vivas no Colégio D. Pedro II, no Brasil, durante a Segunda República. 

 

Figura I A obra publicada em português

 

Figura II A obra publicada em francês

Fonte: Acervo da biblioteca da faculdade de Letras da UFRJ

Apesar de a obra aparecer indexada na contracapa e nos índices finais de diversos livros de autoria de Carneiro Leão com o título “As Línguas Vivas e uma Experiência Brasileira”, essa publicação trata-se, sem dúvidas, da obra “O Ensino das Línguas Vivas: uma experiência brasileira e que não foi catalogada nos índices de publicações de Carneiro Leão (CHAGURI, 2015). É desconhecida a razão da troca do título do livro. Contudo, o ano de publicação bem como o serviço de edição é similar entre as versões (português e francês). 

A obra encontra-se para consulta no acervo da biblioteca da faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), em versão impressa e digitalizada pelos funcionários da biblioteca. Sem dúvida, essa obra expressa a toda comunidade acadêmica, um sensato, rico e didático documento sobre o ensino das línguas vivas na década de 1930 do século XX, de grande importância, diante da regulamentação do sistema de educação secundária brasileira do período em tela a partir da Reforma Francisco Campo durante o governo de Getúlio Dornelles Vargas.

A obra é composta por 65 páginas, com cinco capítulos no qual Carneiro Leão procura de forma didática e objetiva abordar ao leitor o panorama geral do cenário linguístico que se instaura no Colégio D. Pedro II, a partir da reforma Francisco Campo, ao ser instituída pelo Decreto nº. 19.890, de 18 de abril de 1931 (BRASIL, 1931), a organização de oferta das línguas vivas (inglês, francês e alemão), com o novo método (método direto) usado para o ensino desses idiomas.

A introdução do livro, apesar de não indicar claramente que é uma introdução, fornece pistas ao leitor que se trata de uma apresentação da obra, pois, Carneiro Leão sumariza o ensino de línguas no Brasil até 1931 enfatizando como era organizado o estudo das línguas no plano do curso secundário brasileiro a partir do método gramática e tradução usada para ensino das línguas clássicas (latim e grego – este último idioma, a partir de 1931, não compõe mais o programa de estudo das línguas no D. Pedro II). Com os Decretos nº 19.890 de 18 de abril (BRASIL, 1931) e nº 20.833 de 21 de dezembro (BRASIL 1932), as línguas vivas (inglês, francês e alemão) são separadas do estudo do clássico (latim) tendo como instrução normativa do Decreto nº 20.833 (BRASIL, 1932), o uso do método direto para o ensino das línguas vivas. A partir de então, Carneiro Leão, nos capítulos que sucedem a obra passa a sumarizar ao leitor todos os aspectos que são importantes para a nova organização de estudo das línguas vivas com o novo método de ensino, sendo ele o método direto.

No primeiro capítulo, o autor apresenta como os professores de inglês, francês e alemão devem acentuar o ensino das línguas vivas flexionando desde o primeiro ano a apreensão da língua em seus quatro aspectos: oral receptivo, oral expressivo, gráfico receptivo e gráfico expressivo para os alunos do Colégio D. Pedro II. Isto posto, Carneiro Leão ilustra por meio de tabelas as horas de estudos destinadas às línguas vivas e à língua clássica, pois o estudo tanto do latim quanto das línguas vivas eram concomitantes no plano do curso secundário na 4ª e 5ª séries. Para os cursos complementares como os de medicina, farmácia e odontologia, as línguas vivas (somente alemão e inglês) eram estudas na 1ª e 2 ª séries. Já quanto aos cursos de engenharia e arquitetura, não havia estudo de línguas vivas e nem clássica em seus respectivos programas, somente para o curso Jurídico no qual o latim (língua clássica) era estudado na 1ª e 2ª séries.

Carneiro Leão chama atenção do leitor explicando que para ciências, letras e educação, não havia ainda cursos complementar planejado porque não havia sido criada a “Faculdade de Educação, Ciências e Letras”, na qual estava sendo indicada pela reforma Francisco Campo. Ele termina esse capítulo enfatizando que assimilação do vocabulário seria um dos aspectos mais importante para que o método direto tivesse sucesso nas aulas, pois o estudo dos vocabulários deveria ocorrer de forma viva para utilização em situações de convívio real e social do aluno a fim de que ele pudesse no final do ensino secundário verter para a língua vernácula (português), trechos de obras estudadas em francês e em inglês, e, além disso, utilizar a língua em situações de oralidade. O alemão era facultativo e estudado somente nas últimas séries do curso secundário (4ª e 5ª séries). Por isso, enfatiza-se mais ao longo da obra a aquisição do francês e do inglês do que do alemão.

A preocupação em adotar um livro didático que pudesse corresponder aos objetivos propostos pela reforma Francisco Campo ao instruir o método direto como o novo método para ensino das línguas vivas, é o tema que compõe o segundo capítulo da obra. Nesse capítulo, Carneiro Leão sintetiza as necessidades de se manter um padrão na adoção de livros didáticos tanto para o inglês como para o francês. Frente a essa necessidade, o autor didatiza ao leitor os resultados das avaliações elaboradas pelo professor dirigente no D. Pedro II, tomando como ilustração as avaliações de francês do curso do ensino secundário. O autor finaliza o capítulo concluindo que os bons resultados só serão atingidos com o método direto no estudo das línguas vivas quando “[...] o livro para o estudo [...] ter em conta a psicologia do povo que a vai aprender” (CARNEIRO LEÃO, 1934, p. 38). Em outras palavras, o autor está sinalizando que o livro mais adequado para o Colégio D. Pedro II e demais escolas brasileiras são aqueles que levam em conta a índole do brasileiro, o pensamento e o espírito da língua do país.

No terceiro capítulo, o autor sintetiza os resultados obtidos com adoção do método direto. Para isso, ele apresenta-nos como os alunos são organizados por sala e a forma como os professores foram divididos para ministrarem as aulas. Havia os professores dirigentes, aqueles mais experientes e que lecionavam o idioma nos últimos anos do ensino secundário e os professores auxiliares, brasileiros ou não, sem formação pedagógica para ensino das línguas, mas que tinham um vasto e profundo conhecimento da língua. Por essa razão, eles ministravam as aulas sob a supervisão dos professores dirigentes.

No quarto capítulo, Carneiro Leão compartilha o seu entusiasmo com o leitor ao relatar o avanço que os alunos do Colégio D. Pedro II apresentavam na maneira correta em que buscavam as frases ao combinar as expressões, a conversação e a composição com a gramática. Tanto é sua alegria que, o próprio Carneiro Leão (1934, p. 48-49) afirma: “o método direto nunca foi inimigo da gramática. Não é possível condenar o método direto em nome da gramática como não é possível condenar a gramática em nome do método direto”. Para o campo dos estudos linguísticos de ordem aplicada, essa declaração se torna um tanto complexa, até mesmo polêmica, pois o “método direto recebe seu nome [...] conectado diretamente com a língua-alvo, sem passar pelo processo de tradução para a língua nativa dos estudantes” (LARSEN-FREEMAN, 1986, p. 18).

Diante disso, nota-se que a gramática não é associada ao seu estudo, logo para se ter o processo de tradução é necessário o conhecimento mínimo da gramática, pois, caso o fosse, a conexão direta que se faz na aquisição da língua não seria natural, tal qual é com a criança e com as pessoas ao seu redor ao usarem apenas a língua materna. Contudo, não nos cabe aqui estender para uma discussão mais profícua em torno dessa ação do professor Carneiro Leão, até porque precisaríamos recompor essa resenha chamando à baila para a discussão os elementos históricos que aplicam o discurso desse intelectual para a compreensão dos fenômenos educacionais inerentes ou não a construção didático-pedagógica do amplo contexto em que se configura a publicação de sua obra.

De qualquer forma, independentemente do uso ou não uso da gramática como auxílio no processo natural de aquisição da língua no método direto, bem como afirmou Carneiro Leão, o que importa é que a técnica de se estabelecer uma conexão direta entre significados e palavra na língua-alvo tem implicações satisfatórias na aquisição do estudo das línguas vivas, levando os professores dirigentes e auxiliares a proporem os “clubes de conversação” para os alunos do D. Pedro II. Esses “clubes de conversação”, hoje, são conhecidos como “aula de conversação” ou “aula prática de conversação”, amplamente utilizado pelos institutos de idiomas privados para aprimorar a oralidade do aprendiz na língua estrangeira em estudo.

Em seu último capítulo, o quinto, a partir da reforma Francisco Campo a qual instrui a separação do estudo das línguas (clássico e moderno) com a indicação de um novo método para as línguas vivas (método direto), tendo o professor Carneiro Leão como idealizador dessa reforma no estudo das línguas no Brasil, o autor apresenta os resultados que julga satisfatórios nas provas de francês realizadas pelos alunos no então curso do ensino secundário.

Não se trata exclusivamente de perguntas e respostas o que, embora útil e acorde com o método direto, ensina apenas a responder, mas de levar o aluno, pelo conhecimento de um infinitivo ou pela evocação de um pronome, a construir uma frase inteira, a expressar um pensamento, um sentimento pessoal, uma necessidade real da vida. E como os exercícios de conversação, as lições em classe, são feitas sobre os fatos diarios da vida individual ou social, [...] sugeridos pelo professor e pelos proprios alunos, as frases elaboradas nas provas embora determinadas para o emprego de uma questão qualquer de gramática, são todas arquitetadas com um material vivo, à disposição da classe (CARNEIRO LEÃO, 1934, p. 60-61).

Ao final da leitura da obra, conclui-se que o êxito da apreensão da língua com a reforma Francisco Campo ao institucionalizar por meio da figura do professor Carneiro Leão a reestruturação do programa de estudo das línguas vivas no plano do curso secundário no Colégio D. Pedro II, posteriormente, seguido como modelo pelas as demais escolas brasileiras, a reforma expressa a satisfação de um trabalho que manifestou nos alunos do D. Pedro II a praticidade de uso das línguas, e também, a formação de seu próprio espírito humano. 

Referências

  • BRASIL. Decreto nº 19.890, de 18 de abri de 1931 - dispõe sobre a organização do ensino secundário. (Reforma Francisco Campo). Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 1931. Disponível on-line em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03ccivil_03/ decreto/1930-1949/D19890impressao.htm>.  Acesso em 07 jun. 2015.
  • BRASIL. Decreto nº 20.833, de 21 de dezembro de 1931 - instrução para execução do decreto que normatiza o método direto implantado por Carneiro Leão na Reforma Francisco Campo. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 1932. Disponível on-line em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/1997679/pg-8-secao-1-diario-oficial-da-uniao -dou-de-09-03-1932>. Acesso em 07 jun. 2015.
  • CHAGURI, Jonathas de Paula. Bibliografia de e sobre Carneiro Leão: um instrumento de pesquisa. 41 f. Instrumento de pesquisa, 2015. 
  • LARSEN-FREEMAN, Diane. Techniques and Principles in Language Teaching. Hong Kong: Oxford University Press, 1986. 
  • LIMA, Rosilene de. Carneiro Leão e a Educação Rural Brasileira: um projeto cultural, político e modernizador (1909-1963). 187 f. 2016. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá. 2016.